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As empresas municipais de estacionamento deveriam ter um papel, em primeiro lugar, pedagógico para os munícipes, sensibilizando-os para a cidadania e responsabilidade social.

A efetividade de gestão é objeto de estudo permanente na academia, no âmbito da investigação em ciências económicas e empresariais. Não se encontram muitos casos de empresas simultaneamente eficientes e eficazes. A eficiência tem por base a adequada afetação de meios aos objetivos e a eficácia resulta na medida de concretização dos objetivos em resultados.

Talvez porque a “necessidade aguce o engenho”, as empresas municipais de estacionamento são bons exemplos de efetividade, pelo menos a atingir os seus objetivos últimos: não o ordenamento do estacionamento, mas a cobrança efetiva de receita através da multa, ou seja, objetivos claramente financeiros.

Quanto aos prazos de resposta a reclamações, estas empresas têm a habitual eficiência e eficácia características da má qualidade generalizada dos serviços públicos. Quanto à eficiência da multa, tudo parece um modelo de gestão perfeito: a alocação de meios aos fins e as formas eficazes de cobrança. Estas empresas não falham: há equipas suficientes por todas as ruas, há bloqueadores para todos, há apps de tecnologia de topo para pagar, há parquímetros cada vez mais eficientes e resistentes… contra a fúria de munícipes ou mesmo contra os amigos do alheio, que vejam nas moedas aí depositadas uma tentação. Os parquímetros, quando avariados ou danificados, são substituídos com uma eficiência e eficácia assinaláveis, ao contrário de outros equipamentos municipais de parques infantis, iluminação pública, caixotes de lixo ou bancos de jardim. Assim como um parquímetro danificado é substituído num dia, um baloiço danificado num parque infantil é substituído, com sorte, em alguns meses.

Claro que as empresas municipais de estacionamento deveriam ter um papel, em primeiro lugar, pedagógico para os munícipes, sensibilizando-os para a cidadania e responsabilidade social. Em especial autuando aqueles que prejudicarem terceiros, entenda-se, outras viaturas e sobretudo, peões. Mas, em vez disso, estas empresas preocupam-se muito mais com quem não pagou aqueles cinco minutos para lá do ticket do que com viaturas estacionadas em 2.ª ou 3.ª fila ou em frente a garagens, a prejudicar o trânsito e a mobilidade de todos.

Todos os proprietários das viaturas já pagam anualmente o IUC, que inclui um valor relativo ao estacionamento em via pública. Mas, como o valor não chega para alimentar os vícios públicos e aproveitamentos privados das câmaras municipais, torna-se claro que o objetivo é aumentar a receita das administrações locais e centrais e nunca a verdadeiramente hipócrita tarefa de regular o estacionamento nas cidades. Aliás, num país de brandos costumes, permitiu-se que estas empresas se instalassem primeiro nas zonas de maior fluxo comercial e laboral com o argumento da rotatividade, mas rapidamente se instalaram em todos os bairros, mesmo puramente habitacionais.

Estas empresas são tão eficazes, que a nível de planeamento e controlo de gestão, estudam e selecionam determinadas zonas-alvo para multar de acordo com a rentabilidade por freguesia e por rua, pois existem zonas e bairros mais “sensíveis” em que apesar de serem pagas, não arriscam multar ninguém…

As grandes “causas públicas” de quem governa o Estado, nas suas vertentes central e local, estão bem patentes neste exemplo: se houvesse a mesma eficácia de gestão em multar e bloquear viaturas nas cidades como em proteger as florestas, não existiam fogos em Portugal.

É uma triste análise das intenções de um Estado, governado por pobres indivíduos que têm como referência de fonte de riqueza e geração de valor as multas de estacionamento e não a riqueza dos recursos florestais. Se afetassem os mesmos recursos à vigilância e limpeza de florestas que afetam à vigilância do estacionamento, baixaria, em muito, a probabilidade de arder sequer um único metro quadrado de floresta, ao contrário dos milhares de hectares que se vão perdendo.

O Estado são os seus cidadãos e o que permitem que ele seja para os cidadãos. Não me canso de citar Miguel Torga, numa observação tão pertinente: “É um fenómeno curioso: o país ergue-se indignado, moureja o dia inteiro indignado, come, bebe e diverte-se indignado, mas não passa disto. Falta-lhe o romantismo cívico da agressão. Somos, socialmente, uma colectividade pacífica de revoltados.”

Director do ISG – Business & Economics School

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

Artigo publicado a 22/03/2018 no Jornal de Negócios

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