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A poupança portuguesa e o Euro

No anterior artigo referi alguns dados evidenciando a dimensão da quebra da poupança nacional como elemento fundamental para explicar o problema da dívida. Verificamos que a poupança nacional bruta caiu…

A vida para além do deficit público(1)

A poupança portuguesa e o Euro

Avelino de Jesus

No anterior artigo referi alguns dados evidenciando a dimensão da quebra da poupança nacional como elemento fundamental para explicar o problema da dívida. Verificamos que a poupança nacional bruta caiu nos últimos 4 anos para metade do que era antes da entrada ( de 19,4% para 11,8% do PIB) no euro situando-se agora em nível que é metade da média da zona euro(11,8 contra 20,8%). Nos últimos 5 anos a média portuguesa só é superior à da Grécia (11,8 contra 8,2); o valor mais próximo do nosso é de 19,1 da França. Países como a Espanha, a Irlanda e a Itália têm respectivamente; 21,2, 21,7 e 19,3.

O papel da poupança na ciência económica desde há muito tempo que é polémico. Parte importante da iniciativa keynesiana destinou-se a enfatizar os seus aspectos negativos. Durante os anos heróicos da divulgação do keynesianismo o chamado paradoxo da poupança ocupou lugar nobre no paradigmático manual introdutório de Samuelson até ao momento em que, nas edições mais recentes, desde a 14ª edição de 1992, o termo e a correspondente exposição exaustiva da teoria desapareceram. A poupança passou a ter um tratamento ambíguo, com um estatuto confuso, refugiando-se o autor numa demorada discussão das explicações para o decrescimento da poupança. Mas nunca se chega a a uma exposição clara das vantagens da poupança para o aumento da produção e do emprego.

Mas apesar desta insegurança – apesar de duvidosas referências à distinção entre curto e longo prazos – o postulado keynesiano, segundo o qual o aumento da poupança é fonte de redução da produção e do emprego confinou a ser ensinado a gerações de economistas.

Recentemente, a globalização dos mercados financeiros vieram dar novo alento aos adeptos do paradoxo da poupança criando a ilusão de que o financiamento do crescimento se poderia fazer duradouramente recorrendo aos recursos externos. O papel global do dólar permitirá durante algum tempo manter essa ilusão e deu a alguns a esperança de que a Europa do euro poderia lançar-se ao mesmo caminho – prescindindo da sua tradicional poupança – ao potenciar a moeda europeia como veículo internacional. Não foi, felizmente, essa a via seguida pelos principais países do euro, continuando ou reforçando a manter elevadas taxas de poupança. A Alemanha passou de uma taxa de poupança bruta, em proporção do PIB, de 20,6% entre 1996 e 1999 para 24,6% nos anos de 2005 a 2008. Devemos lembrar que entre aqueles períodos o mesmo indicador caiu, no caso português, de 19,4% para 11,8%

A descida das taxas de juro levou os poderes públicos portugueses a incentivar – com eficácia – o consumo e a castigar a poupança. Durante algum tempo parecia ser um comportamento impune. O diferencial da taxa de juro de longo prazo portuguesa face à alemã passou de 0,993 no período 1996-1999 para 0,225 e 0,245, respectivamente, nos períodos 2000-2004 e 2005-2008. Este diferencial chegou a atingir o valor notavelmente baixo de 0,085 em 2005. Porém, desde então aumentou sustentadamente e no ano 2008 já atingira o valor de 0,536 para se situar em valores bem superiores a 1% desde 2009.

Os diferenciais de taxas de juro de 2008 – embora ainda sem alarido público – já davam a indicação de que a factura ia começar a ser paga. Só as medidas excepcionais do BCE de apoio á liquidez da banca em resposta à crise financeira internacional permitiram mascarar a excepcionalidade da nossa situação. A aceleração recente seguiu-se ao anúncio do BCE da inevitável retirada das daquelas medidas excepcionais.

Embora, face à escassez da poupança, se tenda a dar mais importância aos deficits público e externo, a verdade é que todos resultam do excesso de consumo, tanto público como privado.

A actual crise das finanças públicas veio finalmente evidenciar os enganos de alguns que julgaram que a pertença à zona euro poderiam eximir-nos a basear o nosso investimento logo o crescimento – na poupança nacional. Houve a ilusão de que de que a balança de pagamentos desaparecera e de que poderíamos alegremente consumir e investir numa escala não possível anteriormente.

Por outro lado, do lado das contas públicas, as hesitações alemães, prolongadas até certa altura graças às despesas da reunificação, levaram muitos a desprezar a necessidade e o significado dos condicionantes do limite dos deficits e da dívida pública como regras de estabilidade do euro.

Finalmente, a crise financeira internacional parecia, até há dois meses, dar um novo alento aquelas ilusões na medida em que esta poderia servir de desculpa para os deficits e dívidas descomunais.

A verdade é que nem os países nem as regiões poderão de forma duradoura suportar o seu crescimento senão na sua poupança própria. Se o investimento pode momentaneamente ser financiado por poupança alheia ou por criação monetária, cedo ou tarde a dura realidade mostrará que essa ambição é vã e acarreta duros castigos.

O que os mercados financeiras nos estão a dizer de forma tão veemente é exactamente isso: quem poupa duradouramente menos do que investe põe em causa a sua capacidade de pagar as dívidas contraídas. Num primeiro passo – já em curso – pagará em juros; num segundo passo também no horizonte o crédito escasseará e poder ser a bancarrota. A grande procura relativa de fundos aumentará o seu custo. As nossas empresas vão endividar-se a custos crescentes e insuportáveis.

A questão que está em cima da mesa – e é discutida até à exaustão – é a de saber em como os líderes da zona euro vão fazer valer as leis económicas. É um tema interessante mas lateral – a solução qualquer que ela seja não assegurará o nosso futuro.

Quer seja o FMI quer sejam os banqueiros alemães e franceses as soluções por estes ditadas – redução de salários, aumento de impostos, redução cega de despesas públicas, incluindo novas punções nos regimes de reforma – não serão suficientes para resolver o nosso problema económico. Até põem trazer algumas medidas virtuosas mas, no essencial, não abordarão o fulcro das nossas necessidades: o inevitável aumento da poupança terá que ser acompanhado pela reafectação e o crescimento do investimento privado. Será este o tema do próximo artigo.

(1) O presente artigo é o segundo de uma série de 3 dedicada à análise da poupança e do investimento no contexto da actual crise das finanças públicas portuguesas.

Director do ISG –Instituto Superior de Gestão

majesus@isg.pt

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