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I – A evidência e o combate da escassez da poupança

A elaboração do OE para 2010 está a efectuar-se num contexto bem particular, motivo de grandes dificuldades mas também uma oportunidade para a tomada de medidas de grande alcance para o futuro do país.

A vida para além do deficit público(1)

I – A evidência e o combate da escassez da poupança

Avelino de Jesus

A elaboração do OE para 2010 está a efectuar-se num contexto bem particular, motivo de grandes dificuldades mas também uma oportunidade para a tomada de medidas de grande alcance para o futuro do país. Devemos realçar dois aspecto; primeiro, as dificuldades não resultam da conspiração dos mercados financeiros internacionais nem da crise internacional mas da trajectória que os poderes públicos têm conduzido; segundo, existe uma saída virtuosa da situação.

Em 1989 a nossa taxa bruta de poupança era de 27% do PIB, contra a média da OCDE de 22 %. Tínhamos então a 4ª maior taxa da área, só sendo ultrapassados pelo Japão, Coreia e Holanda. Em 2008 a taxa portuguesa caiu para menos de metade, atingindo 10 %, quando a taxa média se mantinha sensivelmente constante (20%); temos agora a 3ª taxa mais baixa da OCDE, só superados pela Islândia e pela Grécia. Nos 10 anos entre 1989 e 1999, a taxa caiu 1/3 e nos 10 anos seguintes desceu para metade. Enquanto isto, a taxa média da OCDE permaneceu constante.

A taxa de poupança líquida das famílias era de 6,9% do rendimento disponível em 1995, valor superior ao da média da OCDE ( 4,7%). Em 2007 a taxa portuguesa passou a valores negativos ( -0,6%) e a OCDE manteve-se sensivelmente no mesmo nível (4,8%).

A dívida externa portuguesa era no fim do 3º trimestre de 2009 de 377 mil milhões de euros, correspondendo a 2,4 vezes o PIB nacional. Deste montante, ¼ era dívida do Estado, 5% das autoridades monetárias e 50% da banca comercial.

O país financia apenas metade do seu investimento, recorrendo ao endividamento externo para o restante.

Pressionados pelos mercados financeiros internacionais, e pelos parceiros decisivos da zona euro, torna-se importante não responder de forma cega mas tomar consciência da origem dos desequilíbrios que nos conduziram a esta situação.

A origem está no excesso de consumo – público e privado – e na estrutura do investimento. Temos escassez de poupança e investimento distorcido, com o sector da construção e da habitação sobredimensionado. Nenhum pais do euro – nem a Grécia – tem uma percentagem de investimento não habitacional tão baixo nem uma proporção de investimento habitacional / investimento total tão elevado. Já no período 1996-1999 a taxa de investimento não habitacional era baixa (12%) a menor da zona euro cuja média era de 16,8%. No período recente (2005-2008) houve nova decida (10,6%) e só a Grécia tem pior valor, tendo a média da zona permanecido constante. Deixemos, no entanto, para os próximos artigos este aspecto e concentremo-nos na poupança.

A poupança e o investimento na zona euro
Países poupança nacional bruta formação bruta de capital fixo (FBCF) saldo das contas públicas saldo da balança externa corrente
FBCF total FBCF Não habitacional
Valores em percentagem do PIB – médias dos períodos indicados
1996-
1999
2005-
2008
1996-
1999
2005-
2008
1996-
1999
2005-
2008
1996-
1999
2005-
2008
1996-
1999
2005-
2008
Grécia 11,3 8,2 19,0 22,2 11,9 14,5 -4,9 -5,1 -11,9
Portugal 19,4 11,8 25,4 21,9 12,0 10,6 -3,5 -3,8 -6,4 -10,3
França 20,4 19,1 18,0 20,8 13,9 16,1 -2,9 -2,9 2,4 -1,0
Itália 21,8 19,3 19,2 20,9 15,3 16,6 -3,6 -3,0 2,1 -2,5
Espanha 22,1 21,2 22,7 30,4 17,7 21,2 -3,2 0,2 -1,0 -8,9
Eslováquia 24,5 21,3 32,7 26,4 30,2 23,8 -7,2 -2,6 -7,9 -7,0
Irlanda 23,5 21,7 20,8 26,6 13,8 13,2 1,6 -0,6 1,6 -4,4
Bélgica 25,6 23,9 20,1 21,0 20,1 21,0 -2,0 -1,0 5,2 1,2
Alemanha 20,6 24,6 21,2 18,1 13,8 12,7 -2,4 -1,2 -0,8 6,5
Áustria 22,8 25,6 23,9 21,9 17,6 17,3 -2,7 -1,2 -2,2 2,9
Finlândia 24,3 26,0 18,4 19,5 13,9 13,8 -0,4 4,0 5,2 3,8
Holanda 26,8 27,1 22,2 19,5 16,4 13,3 -0,9 0,3 4,7 7,5
Luxemburgo 21,8 19,5 18,9 17,3 2,9 1,9 9,8 9,1
Eslovénia 24,5 26,4 20,4 22,4
Média da Z. Euro 21,9 20,8 22,1 22,5 16,8 16,7 -2,7 -1,6 0,2 -0,3

Fonte: cálculos do autor a partir de dados de base da OCDE.

O aumento da poupança nacional é incontornável, reduzindo o deficit público (poupança negativa) mas agindo igualmente sobre a poupança privada.

As recentes medidas desvalorizando os certificados de aforro não foram uma boa iniciativa. Aquele instrumento popular de poupança dos portugueses e de financiamento da dívida pública, desvalorizado em proveito dos veículos da alta finança, deveria ser seriamente recuperado, garantindo adequadas rentabilidades – por exemplo, indexando-a ao valor da taxa de juro fixado nas colocações internacionais da dívida pública a 10 anos – de modo a incentivar a poupança popular e a concentrar o máximo da dívida pública nas mãos das famílias portuguesas.

Por outro lado, haverá que fazer apelo aos sentimentos mais profundos da população. O apego e a confiança que esta tem pela CGD, permitiria que se iniciasse já processo da sua privatização, através da implementação de poupança forçada de uma parte da massa salarial de 2010, a converter em acções do banco. Por esta via, aproveitando a situação de crise, talvez fosse possível – ou inevitável ? – quebrar o fetiche em que se tornou a CGD aos olhos mesmo dos mais liberais políticos nacionais.

A influência do keynesianismo demonizou a poupança e transformou a ideia de procura agregada numa mágica a que poucos resistem. (A título de exemplo: as alternativas que alguns críticos das grandes obras públicas apresentam a estas – multiplicação de pequenas obras – ilustra o poder daquela magia). Não há como contornar a quebra do consumo público e privado e a redução dos investimentos públicos, qualquer que seja a sua forma.

As dificuldades nas contas externas e do Estado derivam principalmente do descabelado incentivo ao consumo e ao desprezo da poupança, dominantes sobretudo os últimos 10 anos, criando assim insuportáveis desequilíbrios macroeconómicos.

A redução de salários e mesmo o simples congelamento têm um limitado alcance. Os incentivos à poupança – e não sendo estes suficientes para a dimensão do problema , como seguramente não serão – e a poupança forçada são as medidas que se impõem.

O aumento da poupança é incontornável por razões de equilíbrio macroeconómico. Mas é também uma condição para o crescimento futuro. O modo como o reajuste se vai efectuar é decisivo para a concretização daquele. Uma boa compreensão – para a qual darei o meu contributo nos próximos artigos – da relação entre a poupança e o crescimento ajudará a formular as medidas certas.

(1) O presente artigo é o primeiro de uma série de 3 dedicada à análise da poupança e do investimento no contexto da actual crise das finanças públicas portuguesas.

Director do ISG –Instituto Superior de Gestão

majesus@isg.pt

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