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Chamam-te Fama e Glória soberana,
Nomes com quem se o povo néscio engana!
A que novos desastres determinas
De levar estes Reinos e esta gente?

Que famas lhe prometerás? que histórias ?
Que triunfos? que palmas? que vitórias?

Luís de Camões, Os Lusíadas, Canto IV.

 

A avaliação dos efeitos deste investimento deverá ter em conta a análise critica dos estudos existentes para a AV portuguesa e os dados obtidos pelos estudos ex- post das experiências dos projectos já implementados na Europa1.

Externalidades. Estas, essencialmente impactos em matéria de energia e ambiente, são de valor negligenciável. Os estudos existentes são numerosos e divergentes, mas os dados mais recentes e rigorosos apontam neste sentido.

O cuidadoso Governo da Suécia confirmou recentemente esta percepção1 para o projecto, em análise, de construção de 750 Kms de AV naquele país.

Devemos, assim, considerar que custos e benefícios se equivalem, tornando os projectos neutros neste âmbito de análise. Este resultado, ao arrepio do que muitos supunham, não surpreende. A evolução tecnológica na área da poupança de energia tem beneficiado mais o transporte por estrada e pelo ar do que a AV ferroviária. Desde 1975 o ganho de eficiência energética foi de 26% no caso do carro, 42% no camião ligeiro, 59% no avião e 25% na AV ferroviária. A falta de concorrência e o longo ciclo do investimento na AV , comparada com a agressiva concorrência e ciclos mais curtos nos sectores automóvel e aéreo, torna mais difícil a inovação naquele meio; as diferenças verificadas nas últimas décadas tenderão a aprofundar-se.

Efeito macroeconómico. O efeito sobre o PIB parte da ideia simplista do multiplicador keynesiano. Os estudos oficialmente patrocinados sobre a AV portuguesa, chegam a um valor do PIB induzido (€121.000 milhões) que é um múltiplo astronómico do valor do investimento. Nenhuma análise empírica de experiências equivalentes corrobora tal efeito. Pelo contrário, diversos estudos sugerem que a produtividade marginal destas aplicações é fortemente decrescente. Por outro lado, este investimento volumoso, reduz fortemente os recursos mobilizáveis para outras aplicações, provocando um efeito negativo sobre o produto. O efeito macroeconómico final, ponderando estes custos de oportunidade, será negativo. Mas, na melhor das hipóteses, é prudente considerar que, pelo menos, os efeitos positivos e negativos se equivalem.

Considerando neutros os efeitos macroeconómicos e as externalidades, o resulto social pode identificar-se com o financeiro.

Efeitos directos. Os efeitos directos têm uma expressão simples concentrada nos resultados financeiros. Tomando hipóteses realistas de evolução demográfica e de crescimento económico, a procura, medida em número de passageiros, será, em 2020, no máximo, de 20 milhões por ano para uma tarifa média de €54 por viagem.

Em todo o mundo só uma linha de AV – o percursor Tokaido Shinkansen , 1ª linha de AV lançado no Japão em 1964 – se revelou financeiramente rentável. O projecto português não fugirá à regra, e será particularmente deficitário, comparando com o caso espanhol. Devemos ter em atenção, em particular, o celebre fracasso da linha Madrid – Sevilha; esta no 2º ano de operação ainda estava abaixo de 3 milhões de passageiros /ano e agora, no seu 17º ano está nos 5 milhões apesar das sucessivas reduções de tarifas.

No caso português, de acordo com as hipóteses que atrás avanço, as receitas representarão apenas 30% dos custos totais anuais. A aproximação ao equilíbrio não se faria com menos do que a triplicação das receitas – performance manifestamente improvável.

Efeito escondido. Devemos considerar ainda – embora não o quantifiquemos aqui – um efeito perverso escondido, frequentemente ignorado, mas de grande importância para Portugal: a negligência do transporte ferroviário de mercadorias. Devido situação periférica do país e ao crescente peso da componente transporte no custo final dos produtos, a nossa competitividade está muito dependente dos custos de transporte das mercadorias para a Europa central.
Apesar de, no transporte de passageiros, a AV não ter sido o sucesso que muitos sugerem, aquela permitiu amortecer, sem a eliminar, a queda da quota da via férrea naquele mercado. Mas, no caso das mercadorias verificamos um efeito perverso de aceleração do declínio da via ferroviária.
Podemos ver na tabela anexa como o investimento na AV, privilegiando o transporte de passageiros, foi acompanhado pela aceleração do declínio do tráfego ferroviário de mercadorias. As tentativas de uso simultâneo das linhas de alta velocidade no transporte de passageiros e mercadorias fracassaram em todo o lado e no nosso caso tudo se encaminha nesse sentido.

A alta velocidade e o mercado ferroviário na Europa
Países Alta velocidade existente em Junho de 2009 Evolução da quota ferroviária no mercado de transportes (%)
Transporte de passageiros Transporte de mercadorias
Kms Ano de início 1970 1990 2007 1970 1990 2007
França 1.872 1981 11 9 9 39 26 15
Espanha 1.599 1992 15 7 5 16 11 4
Alemanha 1.285 1985 9 6 8 33 30 21
Itália 744 1976 12 7 6 66 10 11
Bélgica 173 1997 12 7 7 28 18 13
R. Unido 113 2003 18 5 6 22 10 10
Suíça 35 2007 15 12 15 52 39 33
Bulgária     34 20 18 61 47 38
R. Checa         8     24
Dinamarca       6 8 19 14 10
Estónia     32 25 9 68 61 43
Irlanda     44   76   10 1
Grécia     24 8 4 9 5 5
Letónia     54 48 27 85 75 52
Lituânia     30 35 21 79 72 40
Hungria     42 14 13   70 32
Holanda     9 7 9 7 5 8
Áustria     15 11   56 43 43
Polónia     56 31 7 80 60 23
Portugal     16 10 4   13 12
Roménia     69 56 38 85 82 34
Eslovénia       8 6 61 46 58
Eslováquia     36 7 3     26
Finlândia     6 5 5 34 25 29
Suécia     7 6 9 66 29 30
Croácia     53 33 30 78 48 22
Noruega     8 5 5 31 14 11

Fontes: Cálculos do autor a partir de dados de base da UIC High Speed Depatment e OCDE.

Em todos os casos em que mobilizou uma parcela significativa dos investimentos de transportes a AV acelerou a perca de quota do transporte ferroviário de mercadorias. Ns países onde o investimento em AV foi mais significativo a quota do transporte ferroviário de mercadorias sofreu as maiores quebras. Por exemplo em França aquela quota era de 39% em 1970 e passou em 1990 para 26% e em 2007 para 15%. Em Portugal a situação será ainda pior devido à situação periférica e à permanência da bitola ibérica das linhas dedicadas às mercadorias. Na Europa 35% do tráfego internacional. de mercadorias faz-se por via ferroviária – em Portugal este é residual, com a quota de 1,5%.

Fora da Europa dois exemplos são também significativos dos efeitos da opção pelo investimento na AV: nos EUA a quota do caminho de ferro no transporte de mercadorias aumentou entre 1990 e 2008 de 38% para 48%. No Japão passou de 32% em 1970 para 9% em 1990 e 6% em 2008.

A defesa da AV em Portugal é suportada por apreciações subjectivas baseadas nas alquimias das “externalidades” e do “multiplicador” do investimento público. Aquelas, parecendo aceitáveis e interessantes no discussão teórica, não resistem à observação empírica dos projectos já no terreno.

O país vai ser atado a um encargo permanente de 1,5% do PIB para que os portugueses mais abastados possam dispor de uma comodidade conspícua. Em média, cada português fará 2 viagens por ano em AV – em detrimento de um projecto verdadeiramente prioritário de renovação da via ferroviária visando o transporte de mercadorias e ligando, em bitola europeia, os nossos portos à Europa central.

1 A avaliação dos estudos custo – benefício do projecto de construção dos hipotéticos 750 Kms de AV na Suécia, feita recentemente por um qualificado grupo de peritos no âmbito do respectivo Ministério das Finanças, pode ser consultada em: http://www.ems.expertgrupp.se/Uploads/Documents/Rapport%202009_3%20Hela.pdf.

Director do ISG – Instituto Superior de Gestão

majesus@isg.ptmajesus@isg.pt

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