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13 de Outubro de 2009

Avelino de Jesus

É geralmente desprezada a influência do poder político local sobre o desenvolvimento económico. Mas acção do poder local nesta área é muito mais importante do que frequentemente se imagina.
Apesar de ser considerável o peso dos defensores da regionalização dentro de todos os partidos políticos, mesmo os que tiveram ou têm responsabilidades de governo, a verdade é que o poder público está muito centralizado no Governo em detrimento dos órgãos de administração regional e local. O poder local tem uma influência decisiva no desenvolvimento do país: parte importante dos obstáculos ao investimento relevam de problemas de demora, de dificuldades nos licenciamentos regionais e locais e da ausência de clima de acolhimento franco e rápido aos investidores.

É certo que o poder económico público está extremamente concentrado na administração central; esta representa no total do sector público: 77% do emprego, 87% da despesa, 86% da receita e 97% do défice. Entre os países da OCDE só a Turquia apresenta maior concentração. Acresce que a situação se tem vindo a agravar; por exemplo, no caso do emprego, entre 1995 e 2005 enquanto o emprego público no seu conjunto cresceu 20%, na administração central o aumento foi de 27%. A “modernidade” e a descentralização não tem passado as palavras.

As responsabilidades do poder central pela concentração excessiva de competências e de meios é evidente. A retórica da regionalização e da descentralização não tem tido correspondência nas imensas possibilidades que existem no actual quadro legislativo e político. Porém, como a recente campanha para as eleições locais mais uma vez veio evidenciar, não existe pressão do poder local para forçar uma real descentralização de poderes.

Porém, os poderes locais, actualmente ainda muito limitados, nem sempre são usados no bom sentido.

Na verdade, a criação de riqueza e de empregos, sobretudo os de natureza produtiva nas áreas industrial e agrícola, ocupa um papel muito reduzido na acção política local. Por outro lado, este, das poucas vezes que age, numa posição de cândida pureza, exige aos agentes económicos empregos sem mácula; daqui resulta que os planos de desenvolvimento local viram-se, invariavelmente, para o turismo, o lazer, as actividades físicas, as novas tecnologias e outros sectores “limpos”. É assim em quase todas as regiões e forças políticas significativas, mesmo aquelas que, pela sua história, demonstraram ter vocação agrícola ou industrial.

O recente episódio em torno da reserva, pelo poder central, de um espaço na Trafaria para construção de um terminal portuário de contentores merece ser destacado como mau exemplo oferecido por todas as forças políticas do conselho de Almada.

A intenção de construir um porto para movimento de mercadorias foi liminarmente rejeitada, com uma linguagem invulgarmente violenta, por todas as forças políticas locais, incluindo os representantes do partido do governo. Um dos partidos, por sinal o mais à direita no burgo, depois de “repudiar” a ofensiva ideia do porto, resumiu assim o sentimento geral sobre o que se pretende para o desenvolvimento local: “Queremos um corredor ribeirinho verde com trilhos para caminhadas, oportunidades de recreio e actividade física, hotelaria, turismo cultural, investigação científica, conservação biológica e produção” (sic).

Se fosse uma auto-estrada, uma estação de TGV ou um aeroporto – de preferência estritamente reservados a passageiros e interdito a mercadorias – outro galo cantaria.

Esta atitude convergente é preocupante: revela um alheamento unânime dos verdadeiros problemas de criação de riqueza e de emprego.

Um porto na Trafaria é uma possibilidade real, um investimento que para além do sua valia própria, potencia o aparecimento de outras actividades produtivas de implantação local. A alternativa proposta é uma fantasia que a generalidade dos municípios propõe sem fundamentos na dura realidade económica; a maior parte das vezes nunca vêm a luz do dia, noutras transformam-se em actividades parasitárias dos orçamentos públicos.

Esta questão não teria importância se estivesse em causa a instalação de uma indústria altamente poluente. Ou se tivéssemos perante a possibilidade real – e não simples fantasia – de criar empregos nas actividades economicamente sustentáveis de natureza lúdica e de investigação tal como as visionadas. Mas não. Trata-se de um terminal de contentores, que para além de contribuir para o aumento da capacidade de movimentação de mercadorias na zona de Lisboa, poderá contribuir para a localização na margem sul de actividades económicas para as quais é relevante a proximidade desta infra-estrutura. Estará o Concelho de tal forma rico e farto de empregos que se possa dar ao luxo de rejeitar este investimento?

Um porto na Trafaria é uma possibilidade que pode ser real e as forças políticas locais deveriam trabalhar para o realizar com rapidez, procurando acelerar uma decisão que o poder central não tem pressa de tomar. Desprezar, deste modo unânime, uma oportunidade destas é incompreensível e reveladora da irrelevância económica de parte importante acção política local.
Como compreender que este assunto não tenha fracturado as forças políticas locais ?

(Declaração de interesses: o autor reside em Almada há 32 anos – e no distrito de Setúbal há 40 – e preocupa-o a indiferença geral, bem patente no caso acima mencionado, à destruição sistemática do emprego produtivo no distrito.)

Director do ISG –Instituto Superior de Gestão
majesus@isg.pt

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