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27 de Março 2009

Avelino de Jesus*

O principal tema de debate em torno da terrível situação de desemprego que o país vive é a definição do número efectivo de desempregados, com os vários agentes políticos a envolverem-se em polémicas menores sobre aquele número.

Qualquer que seja a fonte ou a interpretação há uma certeza: Portugal está a atingir o valor simbólico de meio milhão de desempregados. De acordo com uma interpretação não oficial, ter-se-á já atingido o número de 623.000 desempregados, se considerarmos os desempregados não registados e os subempregados involuntários.

Os valores a considerar, para uma correcta contextualização da situação, são os que permitem as comparações internacionais. A taxa de desemprego harmonizada da OCDE é o indicador que oferece maior confiança.

Os dados mais recentes mostram que o país, com 8,5% de desempregados, tem a 7ª pior taxa entre os 28 países da OCDE que consideramos, com uma diferença de 1,3 pontos percentuais relativamente à média da área. Embora estes valores representem um agravamento relativo (a diferença nos últimos 10 anos andava á volta de 1 ponto percentual e esta crise empurrou ou a diferença para 1,3) o que deve ser sublinhado é a permanência do desemprego elevado incompatível com a ambição de convergência com o mundo desenvolvido.

Aqui, como noutras áreas, o enfoque na crise conjuntural que vivemos obscurece o problema principal: a situação de impasse estrutural que o país vive desde há 15 anos. Este imobilismo, na área em análise, exprime-se no desemprego de longa duração e na rigidez e imobilidade do trabalho.

O desemprego de longa duração representa em Portugal 50% do total do desemprego, contra 37% na média da OCDE. A elevada importância deste tipo de desemprego não pode deixar de ser considerada nas decisões de política de assistência aos desempregados. Deve referir-se que o valor do subsídio de desemprego em percentagem do salário anterior era, em 2006, o segundo mais elevado da OCDE1: 80%, contra a média da área de 62% e um máximo de 86% no Luxemburgo.

O problema da rigidez do mercado do trabalho não pode ser resumido, como por vezes ocorre, aos obstáculos da legislação do trabalho, importante é certo, mas frequentemente sobrevalorizada.

A mobilidade regional tem sido pouco referida mas deve ser realçada. Em 2006 a taxa de desemprego, nas 28 regiões NUT III do continente, variava de 1 para 9. Os cálculos que efectuamos mostram que o desvio médio da nossa taxa de desemprego (0,021) está bastante acima da média da OCDE (0,018). Este valor, tendo em consideração a dimensão do país e sua homogeneidade, é de facto elevado e reflecte a existência de enormes obstáculos à mobilidade – entre os quais a lei do arrendamento e em geral a política de habitação centrada na aquisição de casa própria – muito acima da influência da rigidez que a mera legislação laboral já acarreta.

Um outro aspecto do problema – assaz representativo – é o do mercado do trabalho dos jovens licenciados. Mesmo entre os diplomados por cursos com alta taxa de empregabilidade, há diferenças enormes nas taxas de desemprego. Por exemplo, nos cursos de Gestão o desemprego, em Dezembro de 2008 entre os licenciados pelas 19 escolas que licenciaram pelos menos 60 estudantes entre 2004 e 2007, era de 2,9%. Mas as diferenças entre escolas eram de 1 para 17, registando-se as taxas mais elevadas sobretudo no interior do país. Para além dos hiatos de qualidade entre as escolas, as diferenças regionais pesam muito, evidenciando uma inaceitável imobilidade de uma parcela da força de trabalho jovem e em início de actividade.

Em boa parte este problema deve-se à desarticulação, em constante aprofundamento, entre os aparelhos produtivo e educativo que tem lançado no mercado diplomados formalmente qualificados mas sem treino suficiente para a integração no mundo do trabalho. Em 2006, no nosso país, apenas 11% dos estudantes do ensino superior, entre os 20 e os 24 anos, estudavam e trabalhavam, contra a média de 37% na OCDE e, por exemplo, 60% na Dinamarca e 69% na Holanda. Em Portugal, as bolsas de estudo são reduzidas em número e em valor, mas os estudantes são conduzidos à dedicação exclusiva ao estudo e ao divertimento, em proporções variáveis, mas excluindo seguramente o trabalho. Na Noruega, a título de exemplo representativo, o ensino superior é gratuito, todos os estudantes recebem uma bolsa de estudo e, porém, cerca de metade trabalha; as licenciaturas perto dos 30 anos – e não aos 24 anos como em Portugal – e é efectuada nessa altura uma suave e eficaz inserção no mundo de trabalho a pleno tempo. A situação norueguesa – e não a nossa estouvada e pouco produtiva – representa o comportamento típico, e verdadeiramente moderno, na Europa trabalhadora e de elevadas produtividades.

Desemprego e mobilidade do trabalho
Países Taxa de desemprego
em Março de 2009
(%)
Índice de mobilidade
do trabalho em 2006
Espanha 17,4 0,026
Irlanda 10,6 0,006
Turquia 10,6 0,029
Eslováquia 10,5 0,050
Hungria 9,2 0,021
França 8,8 0,016
Portugal 8,5 0,021
Estados Unidos 8,5 0,009
Canada 8,0 0,028
Suécia 8,0 0,009
Grécia 7,8 0,013
Polónia 7,7 0,023
Alemanha 7,6 0,040
Finlândia 7,4 0,022
Bélgica 7,3 0,027
Itália 6,9 0,034
Reino Unido 6,6 0,013
Dinamarca 5,7 0,009
Austrália 5,7 0,011
Rep. Checa 5,5 0,024
México 4,9 0,009
Japão 4,8 0,008
Nova Zelândia 4,7 0,005
Áustria 4,5 0,007
Coreia 3,7 0,010
Suiça 3,6 0,008
Noruega 3,1 0,008
Holanda 2,8 0,006
Média da OCDE 7,2 0,018

Desvio médio da taxa de desemprego em 2006 nas 28 unidades territoriais (NUT III) do continente.
Fontes: OCDE e (taxa de desemprego) e cálculos do autor (índice de mobilidade do trabalho).

É claro que é necessário acudir às situações dramáticas dos desempregados. Mas o verdadeiro desafio está mais além: olhar, sem preconceitos ideológicos, para:

  • Os factores de rigidez e de imobilidade no mercado de trabalho;
  • Os incentivos ao trabalho e à formação, considerando as duas variáveis em conjunto.

A análise do desemprego não pode descurar 3 dimensões essenciais:

  • O desperdício de recursos que representa, agravado pelo facto de o país enfrentar já um crescimento potencial reduzido pelos factores demográficos e escassez do factor empresarialidade;
  • A dignidade do trabalho que não deve ser esquecida nem distorcida pelas políticas de ajuda aos desempregados e que deve evitar o perpetuar de situações estruturais socialmente perniciosas;
  • A formação e qualidade da força de trabalho que, sendo um dos factores mais importantes na criação e preservação dos postos de trabalho, não poderá mais descurar como tem ocorrido, a articulação entre as escolas e aparelho produtivo.

Mantendo a situação actual, com a ultrapassagem da crise que poderá não demorar, o país voltará – fraco consolo – à anterior situação: reduzirá provavelmente de 1,3 % para 1% a diferença da taxa de desemprego face à média da OCDE nas taxas de desemprego.

* Director do ISG – Instituto Superior de Gestão majesus@isg.pt

1) De acordo com cálculos próprios, entre os 28 países da OCDE considerados, o coeficiente de correlação entre o
desvio médio das taxas de desemprego e as taxas de desemprego é de +0,488. Por outro lado, aquele coeficiente
entre as taxas de desemprego e o indicador de liberdade laboral da Heritage Foundation é de -0,2342. Estes resultados mostram que, sendo real o problema da legislação laboral, esta está longe de esgotar os factores de rigidez no mercado de trabalho.

2) Este indicador representa o valor líquido de impostos, para pessoas solteiras e sem filhos que ganham entre 67% e 100% do salário médio nacional.

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