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27 de Março 2009

O presidente francês e o primeiro ministro do Reino Unido insinuaram recentemente, nos preliminares para a recente cimeira da UE, que as Zonas Francas Financeiras (ZFF) – vulgo: “offshore financial centers” – seriam responsáveis pela actual crise. Em consonância com este brilhante contributo para a descoberta das causas da crise, pretendem que o G-20, na sua reunião de Abril próximo, tome as correspondentes medidas repressivas. Intra muros até o nosso primeiro-ministro, num expressivo e recorrente taco a taco com Prof. Francisco Louçã, se pôs em bicos dos pés, para apoiar o diagnóstico e, dando um firme passo em frente, precisou e exigiu algumas medidas radicais, naturalmente muito mais duras do que as que os primeiros proponentes estariam a pensar: a Europa deveria recusar-se a “trabalhar com paraísos fiscais”.

Esta tomada de posição faz lembrar, aos que ainda têm memória, as célebres iniciativas de meados dos anos 70 de alguns eurocratas exigindo uma taxa mínima de IRC de 45% em todos os países do grupo; ou ainda impulsos mais recentes mas de igual teor, no início dos anos 90, agora com uma exigência bem mais modesta: 30% de tributo mínimo.

Quando agora se entra em histeria contra as ZFF não nos devemos esquecer do seu papel fundamental no processo de globalização que, nos últimos 30 anos conduziu à entrada no mercado mundial de vastas zonas do globo até aí condenadas à miséria. Como será bom recordar, Portugal não está entre os menos beneficiados neste processo. Neste, as ZFF tiveram um papel fundamental através de dois veículos:

  • Na captação das poupanças mundiais e correspondente oferta de fundos, contribuindo decisivamente para a redução das taxas de juro de longo prazo.
  • Na pressão para a redução dos impostos à escala global, e em particular na Europa. Desde o início dos anos 80, as taxas máximas sobre os rendimentos pessoais baixaram na OCDE 23 pontos percentuais. No caso dos impostos sobre os lucros das empresas aquele movimento foi igualmente notável; em média, nos países da OCDE registou-se uma quebra de 20 %. As taxas médias daqueles impostos conheceram movimentos semelhantes de queda acentuada.

Na posição oficial que a EU vai levar à reunião do G-20 é exigida a criação de uma lista das ZFF seguida da tomada de medidas repressivas condizentes, misturando e confundindo, lamentavelmente como se fossem situações equivalentes, referências à concorrência fiscal e aos fundos especulativos com apelos ao combate ao crime, ao branqueamento de capitais e ao terrorismo.

Existem várias listas de natureza mais ou menos oficiosa, desde a da OCDE até à do FMI, incluindo cerca de 50 de ZFF. Recentemente um estudo do FMI incluiu vários estados da EU: Reino Unido, Irlanda, Luxemburgo, Malta.

As ZFF modernas foram criadas, inicialmente na Europa, nos anos 60 e 70, em resposta às restrições aos movimentos de capitais e às elevadas taxas de impostos tanto nos países europeus como nos EUA. As empresas acorreram massivamente às ZFF e foi esse movimento que deu origem ao pujante mercado de eurodivisas que depois extravasou para fora da Europa.

As ZFF são centros de recolha da poupança mundial onde a oferta de fundos se materializa. A concorrência entre as diversas ZFF e entre estas e as jurisdições normais reduz as taxas de juro de longo prazo. A imposição de maiores impostos e de restrições (nomeadamente, perca privacidade e do segredo bancário) reduzirá o incentivo à poupança ao trabalho e em suma diminuirá a oferta de fundos e aumentará as taxas de juro.

Portugal, país de média dimensão, com colossal dívida externa, mais do que outros, precisa que as ZFF funcionem bem e que forneçam o ambiente para a estabilização das taxas de juro de longo prazo em nível moderado. Assim, defender a perseguição das ZFF é, pelo menos, irresponsável. É neste âmbito e não em resultado de qualquer hipotética pressão sobre o BCE que as taxas de juro relevantes são formadas.

A actual crise resulta da adaptação à entrada de grande países na economia global. Esta gerou a oferta de produtos baratos e tornou fácil o controle da inflação. Simultaneamente, suscitou a oferta de colossais massas de fundos resultante da recolha da poupança mundial e conduziu à consequente baixa das taxas de juro de longo prazo. A diminuição das vantagens fiscais e a criação de outros obstáculos à circulação destes fundos não deixará de ter repercussões sobre as taxas de juro. Nada que as crónicas de outras crises não tenham já registado. Se, ao contrário do que espero, esta iniciativa tiver sucesso, o país tem um adicional motivo de preocupações.

Director do ISG – Instituto Superior de Gestão majesus@isg.pt

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