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A privatização dos CTT figura no PEC de 15 de Março, como uma das 18 empresas a privatizar no período 2010-2013. Os motivos apresentados…

JN 15 de Junho de 2010

Avelino de Jesus

A privatização dos CTT figura no PEC de 15 de Março, como uma das 18 empresas a privatizar no período 2010-2013. Os motivos apresentados são de dois tipos. Argumentos gerais para todas as empresas a privatizar (diminuição da dívida pública e ganhos de eficiência) e razões específicas para os serviços postais e o transporte de energia (partilha de riscos, benefícios da gestão orientada para o mercado e preparação para enfrentar os desafios da liberalização).

Esta é uma linguagem de madeira que no caso dos CTT esconde uma realidade perigosa.

A prudência aconselha a que não se privatize ainda a empresa e que se encete antes o trabalho – até aqui, no essencial, descurado – de adequação ao processo de liberalização total do sector que se aproxima.

Na realidade, parece que se visa apenas a obtenção de receita rápida a todo o custo, não curando de evitar os previsíveis efeitos económicos e sociais negativos nem de potenciar os benefícios que a liberalização e a privatização, bem administradas, poderiam proporcionar.

Em breve o país enfrentará a liberalização total do sector. Esta, depois de várias hesitações e adiamentos, vai finalmente ocorrer, em Janeiro de 2011, para 16 países (entre os quais Portugal). No longo processo que agora culmina, Portugal seguiu no pelotão de trás, com os que procuram – com êxito – atrasar a abertura.

Entretanto, outros (Reino Unido, Holanda, Alemanha, Finlândia, Suécia e Estónia) foram-se preparando para o inevitável: a liberalização foi voluntariamente promovida, antecipando-se aos prazos comunitários. No caso da Holanda e da Alemanha o processo foi acompanhado com e reforço de duas poderosas multinacionais, respectivamente, TNT e Deusche Bundespost.

Neste como noutros casos de “utilities”, os decisores públicos devem visar, acima de tudo, suscitar a formação de preços baixos sem o suporte da subsidiação pública.

A tabela anexa dá bem conta dos preços que defrontamos nas vésperas da liberalização.

Preços das cartas simples na UE15 em Março de 2010
Países Carta para a Europa Carta doméstica
Preço real(a)
Euros
Preço-trabalho(b)
Minutos
Preço real(a)
Euros
Preço-trabalho(b)
Minutos
Portugal 2,13 15,00 0,59 3,81
Grécia 0,77 3,79 0,67 3,05
Suécia 0,99 2,95 0,50 1,46
Espanha 0,67 2,54 0,39 1,35
Bélgica 0,90 2,42 0,64 1,67
Dinamarca 0,81 2,33 0,54 1,51
Itália 0,62 2,24 0,60 2,07
Reino Unido 0,67 2,13 0,48 1,46
Irlanda 0,64 2,09 0,48 1,40
Finlândia 0,64 1,96 0,69 1,96
França 0,63 1,90 0,52 1,52
Holanda 0,74 1,89 0,43 1,08
Áustria 0,62 1,68 0,53 1,42
Alemanha 0,68 1,63 0,55 1,28
Luxemburgo 0,59 1,54 0,44 1,10

Fonte: Cálculos do autor com dados brutos de: Eurostat e Deutsche Post.

(a) Preço real: preço nominal ponderado pelo indicador do nível geral de preços do país. (b) Preço- trabalho: tempo de trabalho necessário para pagar o preço nominal, tomando o salário médio na indústria.

O país defronta os preços mais elevados da UE15. O preço real das cartas destinadas à Europa é o mais elevado. Por sua vez, o preço-trabalho das cartas, tanto as destinadas à Europa como as domésticas, é também o mais elevado.

Para além dos preços elevados, os CTT não foram preparados para a dinâmica da procura e da no sector, nomeadamente uma proporção crescente das actividades de logística de serviços financeiros.

Os CTT têm a gama de serviços mais desadequada e vulnerável. A quota das cartas no volume de vendas é o segundo mais elevado da UE15, atingindo 82%, com tendência, ainda que moderada, para crescer (este indicador atinge 23% na Alemanha, 46% na Finlândia, 48% na Itália e 54% em França); os serviços financeiros pesam uns escassos 6%, com tendência à queda – é o 4º mais baixo (contra 48,7% em Itália, 22,9% em França e 18% na Irlanda, Dinamarca e Luxemburgo); a importância dos serviços logísticos é a menor da zona, com apenas 2%, também em queda (contra 58,3% na Alemanha, 41% na Finlândia, 32,8%, na Suécia, 22,6%em França ou mesmo 8% em Espanha).

Em Portugal o número médio de cartas enviadas por habitante é ainda pequeno: representa 71% da Irlanda, 56% da Alemanha, 47% da Dinamarca, 40% da Suécia, 39% da Holanda ou 29% da Finlândia. A substituição do correio tradicional pelo telemóvel e internet é um fenómeno complexo: o efeito de substituição da internet e do telemóvel é compensado com o efeito de rendimento do aumento do comércio electrónico, dando origem a crescimento específico de tráfego postal tradicional.

Haverá que distinguir entre a liberalização e a privatização. Se relativamente à primeira a análise económica e os economistas convergem, mostrando que os preços e a eficiência têm ganhos inequívocos, já quanto à privatização a análise não produz resultados tão claros no mesmo sentido. O papel da regulação é aqui decisivo.

O sector postal é um monopólio natural, apesar de ser um sector de trabalho intensivo. Os melhores estudos convergem na detecção de economias de escala, de densidade e de gama, embora de intensidade atenuada relativamente aos resultados que se encontram noutras indústrias de rede.

À excepção das áreas já liberalizadas – correio expresso e logística – onde já existe concorrência, a existência de economias de escala – sobretudo em actividades decisivas da cadeia de valor como a entrega – faz dos correios um monopólio natural. Assim, a privatização deve ser encarada com cuidados especiais.

A privatização neste sector, acompanhada da liberalização total, exige um poder de Estado e uma regulação muito cuidadas para garantir o interesse nacional, definido como a garantia de preços baixos sem subsidiação pública e de fornecimento do serviço em todo o território.

Mesmo em países que liberalizaram antecipadamente, o incumbente mantém, por precaução laboriosa dos poderes públicos, uma quota do mercado interno muito elevada (por exemplo 86% e 87% respectivamente para a Holanda e a Alemanha).

A privatização é uma opção e não uma obrigação. No estado a que se deixou chegar os CTT fazê-la agora é uma aventura perigosa, sem benefícios visíveis e com prejuízos certos na manutenção do fornecimento do serviço universal e na necessária baixa dos preços.

A não preparação da empresa para a nova dinâmica da procura do sector levará à sua venda por preço inferior ao seu potencial.

Por outro lado, como os casos da energia e das telecomunicações evidenciaram, a fraqueza do aparelho regulatório não garante a necessária redução dos preços.

A liberalização deveria preceder – a grande distância e com eficaz consolidação – a privatização. Esta – não sendo de rejeitar em absoluto e podendo ser, por princípio, desejável – será nas actuais condições um desastre certo.

Director do ISG – Instituto Superior de Gestão

majesus@isg.pt

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