Aproximando-se a apresentação do Orçamento do Estado para 2010, seria de grande utilidade que – paralelamente à discussão das medidas de contenção do deficit – se reflectisse um pouco sobre a qualidade do investimento público na perspectiva dos seus efeitos de longo prazo.
Seria interessante regressar uns 5 ou 6 anos atrás e recordar a ideia de choque tecnológico que então esteve muito em voga e imaginar o que ele poderia representar para o aparelho científico e tecnológico nacional e para a competitividade da economia nacional. Deixemos esta última para uma nova ocasião e centramo-nos hoje na apreciação da necessidade e exequibilidade do choque.
Nos últimos 10 anos o sector conheceu transformações notáveis mas insuficientes. Mesmo com o elevado ritmo das recentes melhorias, a convergência com a Europa será uma miragem: falta operar – à revelia da trajectória em curso – novos saltos qualitativos de investimento e de organização.
O peso das despesas nacionais em investigação e desenvolvimento (I & D) passou de 0,65% do PIB em 1998 a 1,18% em 2007. A proporção de investigadores na população trabalhadora passou de 3 por mil em 1998 para 5,5 em 2007.
A percentagem de graduação, na faixa etária relevante, com o título de doutor era de 1% em 2000 e passou em 2006 para 3,3% – a maior taxa da OCDE.
As despesas públicas em I & D cresceram em Portugal, entre 1998 e 2008, em média cerca de 9% por ano em valores reais, contra 4% na OCDE.
As despesas públicas em I & D representam já 1% do OE, um dos valores mais elevados da OCDE.
Todos estes indicadores mostram o grande esforço realizado na última década. Porém, aquele é insuficiente se tomarmos os resultados que contam.
O que mais conta é a produção de patentes, indicador de excelência – e incontornável – de medida do impacto económico do aparelho científico e tecnológico. A média na Europa no que respeita a este indicador é de 95 patentes por ano e por milhão de habitantes; em Portugal registamos de 7 patentes – representando 7% do valor europeu. Já no que se refere ás publicações o atraso é menor: 626 publicações por ano e por milhão de habitantes, contra 996 na Europa, representando 63%.
O volume de capital de risco em 2008 representou em Portugal apenas 0,05% do PIB, um dos mais baixos valores na Europa. Esta escassez é especialmente importante devido à reduzida importância das grandes empresas onde, por excelência, se faz a investigação aplicada.
Países | Despesas em I & D em % do PIB |
(3) Capital de risco % do PIB2008 |
(4) Patentes por milhão de habitantesMédia 2001-2006 |
(5)Investigadores por 1000 traba- lhadores2007 |
(6)Publicações por milhão de habitantes 2008 |
(7)% de doutora-mentos12006 | |
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(1) Total2007 |
(2) Despesa pública2008 |
||||||
Portugal | 1,18 | 1 | 0,05% | 7 | 5,5 | 626 | 3,3 |
Alemanha | 2,53 | 0,7 | 0,05% | 273 | 7,2 | 893 | 2,3 |
Reino Unido | 1,78 | 0,7 | 0,21% | 90 | 5,9 | 1302 | 2,2 |
Suécia | 3,63 | 0,8 | 0,21% | 242 | 9,8 | 1779 | 2,2 |
Áustria | 0,7 | 0,04% | 168 | 7,9 | 1107 | 1,9 | |
Eslováquia | 0,3 | 5 | 5,7 | 413 | 1,5 | ||
Holanda | 1,73 | 0,7 | 0,15% | 217 | 5,2 | 1439 | 1,5 |
Irlanda | 1,36 | 0,6 | 0,15% | 62 | 6 | 1450 | 1,3 |
Bélgica | 1,89 | 0,6 | 0,11% | 130 | 8,3 | 1250 | 1,3 |
Noruega | 1,57 | 0,6 | 0,13% | 90 | 9,5 | 1,3 | |
Rep. Checa | 1,53 | 0,6 | 0,04% | 10 | 5,4 | 655 | 1,2 |
Itália | 1,14 | 0,6 | 0,03% | 77 | 3,6 | 734 | 1,2 |
França | 2,08 | 0,7 | 0,09% | 127 | 8,3 | 846 | 1,2 |
Dinamarca | 2,54 | 0,8 | 0,30% | 188 | 10,4 | 1706 | 1,2 |
Polónia | 0,56 | 0,3 | 0,03% | 3 | 4,4 | 405 | 1 |
Espanha | 1,20 | 1 | 0,10% | 27 | 5,8 | 606 | 1 |
Grécia | 0,57 | 0,3 | 0,01% | 8 | 4,4 | 835 | 0,9 |
Hungria | 0,97 | 0,4 | 0,05% | 13 | 4,5 | 476 | 0,7 |
Luxemburgo | 1,64 | 0,4 | 0,29% | 198 | 6,5 | 585 | |
Eslovénia | 0,5 | 45 | 1265 | ||||
Estónia | 0,6 | 6 | 1557 |
(1) Percentagem de graduados relativamente à faixa populacional relevante.
Fontes: cálculos do autor a partir de dados brutos da OCDE, Eurostat e Thomson Reuters.
Tem havido recuperação notável no que se refere ao investimento e às publicações. Mas em relação à produção de patentes os valores são de tal forma reduzidos que se impõem medidas que possam inverter a situação, nomeadamente:
- O aumento substancial das despesas públicas com I & D;
- O aumento da proporção do financiamento público da investigação no sector privado(1);
- A dotação pública de um verdadeiro fundo de capital de risco;
- A concentração das instituições públicas de investigação em grandes centros a articular com as grandes empresas(2).
- A inclusão da produção de patentes e das actividades empresariais nos factores de promoção na carreira docente do ensino superior e dos investigadores.
- A reconstituição dos órgãos técnicos e científicos do Estado.
Tendo em atenção a fraca presença de grandes empresas e o insucesso da experiência do sector privado na área da investigação, o investimento massivo de investimento público impõe-se.
Se optássemos por investir o valor dos encargos públicos que a alta velocidade ferroviária vai trazer anualmente às contas públicas – cerca de 1,5 % do PIB – poderíamos a partir de 2015 ter uma proporção do PIB afecto á ciência e investigação da ordem dos 3%. Trata-se de um valor próximo do verificado nos países mais avançados. Se ao mesmo tempo esta realocação do investimento fosse acompanhada das apropriadas mediadas de organização(3) e de incentivo aos agentes poderíamos talvez deixar de nos envergonharmos com os fracos resultados do nosso aparelho de ciência e tecnologia .
(1) A proporção de I & D privada financiada pelo Estado tem vindo a diminuir: passou de 9,5% em 1997 a 4,2% em 2007.
(2) Apesar da formidável taxa deformação de doutores estes, são em grande proporção contratados pelo sector público, em especial em actividades de docência. Em Portugal, em 2006, cerca de 94% dos doutores trabalhavam no ensino superior e no Estado, contra, por exemplo, 55% na Bélgica e 42% na Áustria. A proporção de I & D privada financiada pelo Estado passou de 9,5% em 1997 a 4,2% em 2007.
(3) Entre estas deveria ter um papel central a reconstituição dos órgãos técnicos e científicos do Estado o que permitiria enormes poupanças dos gastos externos em estudos que caberia, em grande parte, produzir internamente.
Director do ISG – Instituto Superior de Gestão