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A História de Portugal é o nosso património mais rico. Existem inúmeros períodos marcantes que se tornam difíceis de isolar a não ser em contextos específicos de análise, pelo que é profundamente absurda a expressão, como marcador temporal, de “Portugal pós-troika”, definição digna de mentalidades do Paleolítico ou, quanto muito, do Mesolítico, muito antes dos inteligentes avanços do Neolítico, por falar em períodos históricos marcantes.

Esses longos períodos não foram lineares nem estanques, mas a história também tem demonstrado que entre nós ainda circulam hominídeos intelectuais, mas a quem a gravata, quando a usam, dá a aparência de homo erectus, com quem democraticamente temos de conviver, mas que apenas adquiriram algumas particularidades da definição, pois “(…) os membros dessa espécie têm um cérebro altamente desenvolvido, com inúmeras capacidades como o raciocínio abstracto, a linguagem, a introspecção e a resolução de problemas (…)”. Apesar desta condição não se observar em determinados indivíduos, a essa capacidade mental, está “(…) associada a um corpo erecto e possibilita o uso dos braços para manipular objectos (…). Outros processos de pensamento de alto nível, como a auto-consciência, a racionalidade, a sapiência (…)” 1, as emoções e os valores são características que definem uma “pessoa”. Portanto, há que distinguir, sendo estas condições cumulativas.

Há dias recebi de um amigo um artigo publicado em 17 de Dezembro de 1870 em que não resisto em transcrever, pois fala por si e 150 anos depois não podia ser mais actual:

 “O governo português anda mendigando (…) um novo empréstimo (…), não sabem senão estes dois métodos de governo: – Empréstimos e impostos. Por um lado, o governo mandou para as cortes uma carregação de propostas tendentes todas a aumentar de tributos; por outro lado, o governo vai negociar um empréstimo no estrangeiro. É dinheiro emprestado e dinheiro espoliado. Pede-se primeiro aos agiotas para pagar às camarilhas; depois tira-se ao povo para pagar aos agiotas!
 E ao passo que se trata de um empréstimo em Londres, negoceia-se outro empréstimo com os bancos nacionais. Este tem carácter de dívida flutuante interna e é para pagamento da dívida consolidada externa! (…) E no fim não é dinheiro aplicado a nenhum melhoramento público; é só dinheiro para pagar juros da dívida! É a dívida a endividar-nos cada vez mais! É a dívida a crescer para pagar a sinecuras do estado! É a dívida a multiplicar-se para não faltarem à corte banquetes, festas, caçadas, folias! 

 Esta situação é terrível e tanto mais que ela exige para se não agravar, de sacrifícios com que o país não pode e que de mais não deve fazer, quando eles são apenas destinados às extravagâncias da corte e ao devorismo do poder, no qual se inscreve agora o novo subsídio aos pais da pátria!”

 Para se compreender o presente, mas sobretudo para se projectar o futuro é preciso conhecer o passado, coisa que os hominídeos, obviamente iletrados, não conhecem. Regressando aos temas históricos, podemos dizer que 150 anos depois de ter sido escrito este artigo, passámos pela Revolução Industrial, transitámos da Monarquia para a República, vivemos o Estado Novo, atravessámos duas guerras mundiais, assistimos ao 25 de Abril, chegámos à Sociedade da Globalização e da Informação. Enfim, o mundo mudou muito, mas aparentemente não o suficiente para em Portugal se identificar o cerne do problema: o Estado cresce e congrega em si todas as funções, mesmo as que poderiam ser rentáveis e gerar riqueza, de forma a ser o melhor exemplo económico de ineficiência.

 Na monarquia já era assim, com a república, apenas mudaram os “reis”.

 A política reforma do Estado e das suas funções é trabalho humano racional e emocional, pois se continuarmos na política dos cortes irracionais, à boa maneira cro-magnon, não faremos mais do que reduzir ainda mais a eficiência do Estado. Só com redução lógica da redefinição das funções do Estado se poderá voltar a crescer e desenvolver uma sociedade próspera, limitando o Estado aos seus papéis genuínos não privatizáveis – Justiça, Segurança/Defesa e intervenção mínima na saúde e educação, no sentido de garantir eficientemente o acesso aos cidadãos sem recursos. Isso sim é um Estado Social e foi para isso que foi criado! E não para ser uma farsa alimentadora de privados que tomam por suas as propriedades públicas, vulgo as “camarilhas” (A Lanterna, 1870). Discutem-se muito mais os interesses corporativos, como por exemplo, o dos professores na educação ou dos médicos na saúde, e perdeu-se o foco principal do sentido de missão da “coisa” pública, paga pelos cidadãos, para alunos e para utentes do SNS. Só libertando a carga fiscal para níveis próximos da metade da actual, no IRS e IRC, aumentando o rendimento disponível, se pode voltar a crescer, a ter consumo, poupança e investimento e ganhar um Estado adequado, menos oneroso e muito mais eficiente. 

É tempo, pelo menos desde 1870, de acabar com as “sinecuras” (A Lanterna, 1870) sob pena de o Portugal pós-Troika ser igual ao Portugal pré-Troika, o Portugal monárquico igual ao Portugal republicano, o Portugal da Idade da Pedra igual ao Portugal da Revolução Digital. 

1 GROVES, C.. In: Wilson, D. E., and Reeder, D. M. (2005).Mammal Species of the World. 3rd edition ed. Baltimore: Johns Hopkins University Press; Goodman M, Tagle D, Fitch D, Bailey W, Czelusniak J, Koop B, Benson P, Slightom J. (1990). “Primate evolution at the DNA level and a classification of hominoids; Human Evolution by The Smithsonian Institution’s Human Origins Program. Human Origins Initiative,.Smithsonian Institution.

Ver artigo 

Miguel Varela Director ISG – Business & Economics School

in Jornal Negócios 

1 Julho 2013

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