Daqui a cerca de duas semanas, no próximo dia 1 de Outubro, realizar-se-ão eleições para as Autarquias Locais, as denominadas “eleições autárquicas”. Importa-nos pois, clarificar os nossos leitores da relevância destas instituições, consignadas constitucionalmente como “Poder Local”. Assim, as autarquias locais, pelos mais variados motivos, são, na nossa opinião, as entidades públicas com maior relevo no alcance do interesse público, do bem-estar e qualidade de vida dos seus cidadãos e desde logo, prioritariamente, pelo melhor conhecimento dos assuntos dos respectivos territórios e população, que variam tendo em conta as características em causa, pela mais usual identidade que os membros dos órgãos possuem com a área geopolítica onde laboram e ainda pelo mais apertado controlo realizado pelos próprios destinatários, dada a maior relação de proximidade existente.
É aliás, uma das formas mais relevantes de partilha do poder democrático1 pertencente ao povo soberano e mormente de descentralização, determinando o artigo 235º, nº 1 da CRP que “a organização democrática do Estado compreende a existência de autarquias locais” e o artigo 6º, nº 1 da CRP que “o Estado (…) respeita na sua organização e funcionamento (…) os princípios da subsidiaridade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da Administração Pública”.
Dada a sua essencialidade, a regulação das autarquias locais, usufrui de cariz constitucional, encontrando-se preceituada no título VIII da lei constitucional da república portuguesa, definindo-se as mesmas, nos termos do artigo 235º, nº 2 da CRP, como “as pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas”, sendo pois fundamental a finalidade que ocupam no progresso de certo território e população.
Ou seja, “são pessoas colectivas públicas de população e território, correspondentes aos agregados de residentes em certas circunscrições do território nacional, e que asseguram a prossecução dos interesses comuns resultantes da vizinhança, mediante órgãos próprios, representativos dos respectivos habitantes” (Freitas do Amaral, Diogo, 2012).
Deste modo, os elementos que as constituem são portanto as populações, o território, a prossecução de interesses próprios e a existência de órgãos representativos, possuindo integral autonomia, património e finanças suas, sendo os membros dos seus órgãos eleitos pelos correspondentes destinatários, existindo directamente participação democrática, destacando-se como um dos princípios mais importantes, de acordo “prima facie” com o artigo 267º da CRP, o da descentralização administrativa, só devendo obedecer, segundo o princípio da legalidade, à lei, dispondo de atribuições, competências e quadros de pessoal próprios.
E de acordo com o nº1 desta disposição “a Administração Pública será estruturada de modo a evitar a burocratização, a aproximar os serviços das populações e a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efectiva, designadamente por intermédio de associações públicas, organizações de moradores e outras formas de representação democrática”. Denote-se pois a lógica de aproximação dos serviços às populações que subjaz aos princípios da descentralização e desconcentração, entendendo-se pois genericamente que, quanto mais próximos delas se encontrarem os serviços públicos que prestam diligências às populações, melhor conseguirão satisfazer as necessidades destas por melhor as conhecerem.
Veja-se ainda o artigo 237º da CRP, que em consonância com o último preceito mencionado, preceitua especificadamente a descentralização administrativa das autarquias locais. Ora, nos termos do seu nº 1, “as atribuições e a organização das autarquias locais, bem como a competência dos seus orgãos, serão reguladas por lei, de harmonia com o princípio da descentralização administrativa”. sendo nós pois, pela nossa parte, obrigados a perfilhar esta ideia, mais acrescentando que a eficiência e eficácia de um qualquer sistema de administração pública pode e deve ser medida de acordo, não apenas mas em grande parte, com a aproximação que o mesmo revela dos administrados, gozando igualmente estas pessoas colectivas territoriais de poder normativo, designadamente de carácter regulamentar, de acordo com o artigo 241º da CRP, que enquadra e permite a aplicabilidade de modo adequado da legislação superior ao concernente espaço territorial e da possibilidade de realizarem referendos locais correspondentes a temas incluídos nas competências dos seus órgãos, conforme o estatuído no artigo 240º da CRP.
Não nos podendo esquecer também do princípio da autonomia do poder local, que resulta directamente da Carta Europeia de Autonomia Local do Conselho da Europa, adoptada e aberta à assinatura em Estrasburgo, a 15 de Outubro de 1985. Assim e de acordo com este diploma, este princípio resulta da consideração de que:
– “As autarquias locais são um dos principais fundamentos de todo o regime democrático”;
– “o direito dos cidadãos de participar na gestão dos assuntos públicos faz parte dos princípios democráticos comuns a todos os Estados Membros”;
– “É ao nível local que este direito pode ser mais directamente exercido”;
– “A existência de autarquias locais investidas de responsabilidades efectivas permite uma administração eficaz e próxima do cidadão”;
– “a defesa e reforço da autonomia local nos diferentes países da Europa representam uma contribuição importante para a construção de uma Europa baseada nos princípios da democracia e da descentralização do poder”
E finalmente, de que tudo o que foi supra apresentado “supõe a existência de autarquias locais dotadas de órgãos de decisão constituídos democraticamente e beneficiando de uma ampla autonomia quanto às competências, às modalidades do seu exercício e aos meios necessários ao cumprimento da sua missão”, definindo o o art. 3º nº 1 que autonomia local é “o direito e a capacidade efectiva de as autarquias regulamentarem e gerirem, nos termos da lei, sob a sua responsabilidade e no interesse das respectivas populações uma parte importante dos assuntos públicos”. Pretende-se pois, à luz deste princípio, que as populações tenham uma independência efectiva do poder central dos Estados quanto à gestão dos seus interesses.
Tendo este conceito de autonomia local se constituído no quadro do sistema de Estado liberal de direito, pressupondo a liberdade e independência das comunidades locais perante o Estado (em sentido restrito), decorrendo para as autarquias locais, de acordo com Isabel Celeste Fonseca (2012) , “o direito e a capacidade efectiva de regulamentarem e gerirem, nos termos da lei, uma parte importante dos assuntos públicos, fazendo-o sob sua responsabilidade e no interesse das respectivas populações”, sendo “este o seu domínio reservado”. Decorre ainda deste princípio, continuando o raciocínio da autora, “o direito de as autarquias locais participarem na definição das políticas públicas nacionais que afectem os interesses próprios das respectivas populações”, não pertencendo agora somente ao tal domínio reservado, mas implicando aqui a correspondente “participação”.
Diga-se assim que, em estreita relação com o princípio da descentralização, cada autarquia tem necessidades e interesses específicos da sua população e uma política comum de Estado deixa de ser, pois, suficiente para satisfazer os interesses das populações locais, sendo que à luz deste princípio a gestão dos interesses locais deve ser entregue às autarquias locais., concluindo-se, conforme plasmado nos artigos 6º, nº 1 da CRP e 4º, nº 3 da Carta mencionada que “tudo quanto puder ser eficazmente decidido e executado a nível autárquico não deve ser atribuído ao Estado e aos seus agentes” (Fonseca, Isabel Celeste M., 2012), devendo englobar-se ainda um outro princípio, indicado acima e que trataremos numa posterior crónica, o princípio da subsidiaridade.
Dai, a essencialidade das eleições autárquicas e a existência de formações especializadas, como a Pós Graduação em Gestão Jurídica Autárquica do ISG…!
Miguel Furtado, Docente do ISG