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SESSÃO SOLENE 2019
ISG | INSTITUTO SUPERIOR DE GESTÃO

ORAÇÃO DE SAPIÊNCIA
Dr. Pedro Mota Soares, “O Futuro da Segurança Social”

“Quero agradecer ao Professor Miguel a oportunidade de vos falar sobre o Futuro da Segurança Social.
Se falar de Segurança Social já não é fácil, difícil mesmo é falar do futuro.
Nos dias de hoje, falar do futuro é um atrevimento.
Num mundo em que fazer uma previsão do crescimento económico a 6 meses é um risco;
Num Mundo em que mesmo na Velha Europa – estável, confiável, previsível – a 15 dias do prazo final do Brexit ainda ninguém sabe verdadeiramente o que vai acontecer, para ar falar do futuro é preciso ser-se afoito.
É por isso que vos quero falar- não do futuro- mas sim de dois aspectos que têm um enorme impacto nos sistemas sociais- Demografia por um lado e Produtividade e emprego por outro.

1. Deixem-me começar pela parte demográfica, contando uma história.
Em 1966, um jovem do Reino Unido escreveu uma carta ao seu EU futuro.
Esse jovem tinha então 16 anos. Tinha um medo. Tinha uma dúvida.
Da carta fez uma música que vai mais ou menos assim:
“When I get old, start losing my hair, many years from now,
Will you still feed me, will you still need me, when I’m sixty-four?”
Para esse jovem músico, Paul McCartney aos 16 anos, alguém com 64 anos era um velho, alguém que estava em risco de ser descartável, a quem era preciso levar a comida à boca.
Ser velho aos 64 anos- abaixo da idade de reforma- pode parecernos hoje ridículo, mas a verdade é que em Portugal, em 1960, a esperança média de vida de homens e mulheres situava-se nos 63 anos, o que traz algum sentido à letra da música.
Hoje e graças a um enorme salto qualitativo, esse número está nos 83 anos de idade. A vida conquistou terreno em mais 20 anos.
Em cerca de 60 anos, a esperança média de vida aumentou 20.
Isto é algo de inédito na história da humanidade.
Somos menos e vivemos mais.
E parece que não queremos ver os sinais e as consequências desta mudança estrutural na nossa sociedade.
Em 1999, um ano após termos feito uma reforma da Segurança Social que iria durar para os próximos 100 anos, o Índice de envelhecimento, i.e. o quociente entre o número de pessoas com 65 ou mais anos e o número de pessoas com menos de 15 anos atingiu
os 100 – por cada português com mais de 65 anos só tínhamos um jovem abaixo dos 14.
Hoje, por cada jovem com 14 anos ou menos, temos 1,5 portugueses acima dos 65.
Se olharmos para os escalões etários que estão no meio destes vemos que em 2010 – três anos depois da reforma da segurança social que introduziu o factor de sustentabilidade- vemos que a relação entre a população que potencialmente está a entrar e a que está a sair do mercado de trabalho, i.e o quociente entre o número de pessoas com idades compreendidas entre os 20 e os 29 anos e o número de pessoas com idades compreendidas entre os 55 e os 64 anos- atingiu a proporção de 1 para 1.
Hoje, passado 9 anos, a proporção no mercado de trabalho evoluiu para 0,8 jovens por cada trabalhador mais idoso.

Fonte INE

Desde a década de 70 do século passado, o meu espaço de vida, perdemos metade da população jovem (28,5% em 1970 para 14,4% em 2014), e mais do que duplicamos a população idosa (passando de 9,7% em 1970 para 20,3% em 2014).

Fonte INE

Hoje, já só temos 2,5 activos por cada pensionista.

Fonte INE;PORDATA

Além dos dados relativos à Segurança Social, deixem-me que vos dê só alguns números da área da saúde.
Um quarto da população em Portugal está em risco de desenvolver cancro até aos 75 anos e 10% corre risco de morrer de doença oncológica.
No Relatório “Health at a Glance 2017”1 (“Uma visão da saúde”)i da OCDE são apresentados novos dados sobre a prevalência da demência, colocando Portugal como o 4º país com mais casos por cada mil habitantes.
A média da OCDE é de 14.8 casos por cada mil habitantes, sendo que para Portugal a estimativa é de 19.9.
A estimativa do número de casos com demência para Portugal sobe para mais de 205 mil pessoas, número que subirá para os 322 mil casos até 2037.
Mais velhos, mas também com mais patologias de saúde.
Se alguém tem dúvidas da conjugação destes dois efeitos sobre a sociedade portuguesa, aconselho a leitura do recente relatório do FMI2.
Até 2050 teremos de alocar mais 7 pontos percentuais de despesa pública ao envelhecimento e isso tornará a nossa dívida pública insustentávelii.

2. Passemos à Produtividade e emprego.

Estamos a viver o início da 4ª revolução industrial, que terá enormes efeitos no mundo do trabalho.
Inteligência artificial;
Robotização e automação com capacidade cognitiva de aprender, de estabelecer relações pessoais, de aprender com outras experiências;
A capacidade das coisas- objectos do nosso quotidiano: um carro, um semáforo, uma máquina de café, estabelecerem relações entre si e com os humanos, na chamada Internet das coisas;
computação em cloud;
Tecnologia blockchain;
Computadores quânticos capazes de processar dados e informações com uma velocidade até hoje impossível.
A lei de Moore que se verificou até hoje – que dizia que a cada 18 meses o poder de processamento dos computadores iria duplicar e o preço de produção diminuir- pode estar a chegar ao fim. O avanço da tecnologia da computação quântica vai tornar a evolução ainda mais rápida.
A lei de Amara, que nos ensinou que sobrestimamos o efeito duma tecnologia no curto prazo e subestimamos o seu efeito a longo termo, aconselha-nos a olhar para o ponto cego das previsões.
Nos últimos 10 anos o simples facto do nosso telemóvel- que tinha teclas e servia para fazer e receber chamadas- estar hoje ligado a um GPS e à internet (na prática um pequeno computador com mais tecnologia do que a que os americanos tinham quando colocaram um homem na lua), dizia eu, a georreferenciação mudou a nossa vida e
permitiu dezenas de novos negócios- Uber, Glovo, Instagram, Whatsapp, airbnb, spotify, Runkeepper, Lime, e-coltra- que destruíram empregos e criaram outros. (Facebook rede feita para computador, instagram e Twitter feitos para telemóvel).
Tarefas mecânicas, repetitivas, previsíveis, como recolha e processamento de dados vão ser rapidamente substituídas.
Muitos empregos que desempenham estas tarefas vão desaparecer e novos empregos, que hoje ainda não conhecemos vão surgir.
Num estudo muito recente feito pela McKinsey sobre o futuro do emprego em Portugal, algumas das conclusões são surpreendentes.
1º- Portugal é, a par do Japão, um dos países mais afectados pela automação (a introdução de robots) nos mercados de trabalho.
2º- Perante o declínio do PIB e do PIB per capita derivado pelo decrescimento demográfico e pela desaceleração da produtividade, a automação é uma das principais soluções que poderá proporcionar o crescimento de produtividade necessário para manter as taxas de crescimento históricas do PIB.
3º- Apesar da automação tornar redundante as funções de até 1,1 M trabalhadores portugueses, poderá simultaneamente criar 0,6 –1,1 M de novos postos de trabalho até 2030, o que significa que poderá continuar a haver emprego suficiente no longo prazo.
Isto significa que a robotização da nossa economia vai retirar 1.1Milhões de empregos até 2030, mas também criar entre 600 mil e 1,1Milhões de novos empregos, onde a área de gestão e a área social serão das mais resilientes.
Se o futuro nos parece estar a acelerar, é porque está mesmo a acelerar. Durante grande parte da história da Humanidade a mudança foi local e linear e hoje é global e exponencial.
Como explica Ray Kurzweil, não se trata de mais um degrau igual ao anterior, mas de uma multiplicação. Passámos do crescimento linear para o crescimento exponencial.
Quando o genoma humano começou a ser sequenciado, os peritos previam que iria demorar milhares de anos a ser concluído, mas foi terminado há 15 anos. A previsão considerou tudo menos a aceleração da mudança e a evolução dos próprios processos.
É por isso que acho que qualquer previsão sobre o futuro um grande atrevimento.
Podemos apenas falar do que é provável ou possível.
Se o modo como nos relacionamos e a relação com o consumo mudou, é provável que o modo como trabalhamos, aprendemos e vivemos também tenha de mudar. Não se pode travar administrativamente o futuro.
A capacidade de adaptação, para uma pessoa, empresa ou país, é mesmo “a” competência estratégica essencial.
No futuro do emprego a capacidade de relacionar competências absolutamente distintas vai ser uma grande mais valia.
Não resisto a contar uma história que o Steve Jobs contou numa sessão muito parecida com esta.
Nos anos em que frequentou a Faculdade – digo frequentou e não estudou porque o próprio reconheceu que foram anos em que
andava “perdido” – Steve Jobs inscreveu-se numa cadeira de tipografia. Faziam tudo à moda antiga, numa prensa que podia ter sido feita pelo próprio Guttenberg.
E podem estar a pensar- o que é que uma velha prensa, de madeira e com chapas de metal e tinta a sair por todos os lados pode ter a ver com um computador moderno?
No 1º computador Apple que o Steve Jobs construiu, quando teve de fazer um processador de texto, lembrou-se das aulas de tipografia e hoje, em vez de escrevermos num ecrã preto com umas letras quadradas brancas, ou no melhor caso verdes, escrevemos com fontes magnificas como o Times New Roman, Georgia, Calibri, ou o Arial 14 onde fiz este texto.

Hoje, a característica mais importante para o futuro que aí vem é mesmo a preparação para a mudança.
Improve, Adapt, Overcome!
Portugal tem muitos trunfos. Uma dimensão média e uma posição moderada capitalizável captação de investimento, na atração do turismo e traduzida em vários sucessos diplomáticos – como a eleição para o Conselho de Segurança da ONU, a Presidência da Comissão Europeia ou a eleição para Secretário-geral da ONU. Esta boa vontade tem de ser aproveitada, num mundo com cada vez maior tensão e apreensão sobre o futuro.
Outro trunfo é a possibilidade de reformas ágeis, um fenómeno chamado “leapfroging”, em que os saltos tecnológicos permitem
recuperar atrasos de competitividade – como foi o caso dos serviços multibanco ou da via verde, em que Portugal liderou na inovação.
Mas o mais importante mesmo, a característica mais importante para o futuro que aí vem é a preparação para a mudança.
Como um ministro do Petróleo Saudita alertou: “a idade da pedra não acabou por faltarem pedras, e a idade do petróleo vai acabar muito antes do ficarmos sem petróleo”.
Por isso, a pergunta legítima é:- O que é que cada um de vocês está a fazer, para a mudança que aí vêm?

3. Toda a Europa vê hoje a sua esperança média de vida aumentar.
Esta enorme conquista civilizacional é produto dos avanços médicos,
científicos, mas também de um modelo social que edificámos ao longo de décadas.
Se por um lado temos esta carga positiva, por outro, uma preocupante quebra demográfica, que alastrou sem excepção a todas as nações do velho continente, constitui um sério problema para a sustentabilidade dos sistemas sociais- Saúde e Segurança Social.
Conjugando demografia com economia o problema coloca-se assim: temos cada vez menos activos para financiar cada vez mais pensionistas por – felizmente – cada vez mais anos, face à evolução da esperança de vida.
Num estudo recente da OCDE, é referido que se não forem feitas reformas atempadamente as gerações actuais e seguintes- vocês- vão receber muito menos face ao que contribuíram, isto é, a taxa de substituição diminuirá.
Como resolver este dilema?
Em prol das gerações futuras e da confiança dos actuais trabalhadores nos sistemas que urge realizar e pensar as devidas reformas de um modelo que foi idealizado num mundo em que esta realidade era diferente.
Os aumentos de produtividade têm de ser tais que possam financiar não só esta alteração, como também a falta de ocupação que muitos podem vir a sofrer- chamemos-lhe UBI- Renda Básica ou Rendimento Básico Universal.
A discussão sobre novas fontes de financiamento tem de ser feita de forma a permitir encontrar receitas, mas ao mesmo tempo não pode dificultar a modernização da nossa economia, levando o investimento para outras latitudes.
Num tempo de crescimento económico – factor essencial para fazer uma reforma da Segurança Social- adiar este debate pode significar perder a última oportunidade de fazer uma reforma estrutural e séria do nosso sistema de protecção social.
Queria terminar com uma última nota.
Quando era jovem, Paul Mccartney achava que aos 64 anos ia ser um velho. Hoje esse jovem já superou os 64. Tem 76 anos. Recentemente criou músicas com a Rhianna e o Kayne West e lançou um álbum novo.
Com 76, Paul Mccartney, como tantas outras pessoas mundo fora, incluindo portugueses, continua activo e a teimar em não envelhecer.
É a parte mais positiva do nosso novo normal.”
i Link estudo OCDE ii Link Estudo FMI

Pedro Mota Soares

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