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Biografia Professor Doutor José Luís Saldanha Sanches

(1944 -2010)

José Luís Saldanha Sanches, o segundo dos três filhos de Alda Cotrim Saldanha Sanches e de Luís Maria do Nascimento Sanches, nasceu em Lisboa, em Sete Rios, em 11 de Março de 1944, numa família de pequenos comerciantes e de industriais de olaria.

Estudou no Colégio Valsassina, no Liceu Camões e no Colégio Moderno. Quando regressou à Faculdade de Direito de Lisboa em 1972, após uma prisão de seis anos em Peniche, conheceu Maria José Morgado, com quem viveu desde então. Laura, a única filha do casal, nasceu em 1976.

Morreu em Lisboa, no Hospital de Santa Maria, na madrugada do dia 14 de Maio de 2010, vítima de um carcinoma gástrico.

Em Junho de 2010, foi condecorado a título póstumo com a Ordem da Liberdade (Grande Oficial).

Um homem que viveu do espírito e para o espírito, de uma curiosidade intelectual insaciável, de um apetite voraz pela leitura, pelo debate, pela partilha de ideias – morreu na trajectória ascendente de uma demanda de sabedoria de que muito podia esperar‑se ainda, sob a forma de produção científica, de intervenção cívica, de exemplo de integridade moral, de visão aguda e descomprometida sobre o nosso destino colectivo. Dessa vida do espírito e para o espírito manteve, em suma, inabalada a militância até ao fim dos seus dias.

Após a saída da prisão de Peniche com 27 anos. 1972

Os que o conheceram mais de perto sabem que havia em José Luís Saldanha Sanches muito mais do que o muito que o seu percurso e a sua obra contêm e dele espelham.

I. Actividade académica
J. L. Saldanha Sanches era professor da Universidade Católica Portuguesa, na Faculdade de Direito, Escola de Lisboa, onde regia a cadeira de Direito Fiscal do curso de licenciatura e leccionava na pós‑graduação em Fiscalidade, que coordenava desde 2008.

Tinha‑se reformado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa em 2009, como professor associado. Foi nesta faculdade que se licenciou em 1980, tendo obtido o grau de mestre em 1986, com a dissertação O Ónus da Prova no Processo Fiscal. Aí se doutorou em 1996, em ciências jurídico‑económicas, com a dissertação A Quantificação da Obrigação Tributária: Deveres de Cooperação, Auto‑Avaliação e Avaliação Administrativa.

Na Faculdade de Direito de Lisboa, foi monitor em 1979/1980 e depois assistente‑estagiário, assistente e professor auxiliar, tendo leccionado e regido diversas cadeiras além do Direito Fiscal (Direito Económico, Economia Política, Finanças Públicas e Economia Portuguesa). Leccionava com uma criatividade, uma profundidade, uma assiduidade e uma pontualidade raras.

Passou a professor associado em 1999 e, em Junho de 2007, foi recusado nas provas de agregação (ou de desagregação, como dizia), numas das últimas dessas provas realizadas em Portugal com votação secreta. Aí apresentou as obras Direito Económico – um projecto de reconstrução, publicado pela Coimbra Editora em 2009; Os Limites do Planeamento Fiscal: Substância e Forma no Direito Fiscal Português, Comunitário e Internacional, cuja primeira edição, de 2006, esgotou, estando prevista a segunda edição para finais de 2010; e uma lição sobre Direito do Balanço ainda inédita.

Leccionou e coordenou a pós‑graduação em Direito Fiscal do Instituto Superior de Gestão desde os anos 90 até 2007. A sua carreira académica, iniciada tardiamente em virtude de um percurso de activismo antifascista e sucessivas prisões políticas (licenciou‑se com 36 anos e doutorou‑se com 52), foi marcada por uma abundante produção intelectual, com mais de cento e cinquenta escritos publicados sobre Direito Fiscal, Direito do Balanço, Direito Económico e Finanças Públicas, sob a forma de monografias, notas, artigos e manuais.

Na sua obra, analisou os problemas jurídicos como problemas que nunca eram especificamente portugueses, procurando sempre apoio na doutrina estrangeira, sobretudo alemã e norte‑americana, e apresentou um diálogo abundante com a jurisprudência nacional, europeia e estrangeira, pois acreditava não haver Direito sem casos. Tinha uma visão ética da justiça fiscal, buscando um equilíbrio constitucionalmente determinado entre a necessidade do pagamento generalizado de impostos como fundamento do Estado Social de Direito e as liberdades dos particulares e empresas na relação com a Administração tributária.

Numa primeira fase, a sua obra centrou‑se no Contencioso Tributário e na relação em tribunal dos cidadãos e empresas com o Estado enquanto Administração fiscal; sustentou a inevitabilidade de se conceber o processo fiscal como um processo subjectivista, ou seja, um processo em que se discutem os direitos dos contribuintes e não a mera legalidade dos actos do Fisco e, por conseguinte, a necessidade de, nele, se garantir uma igualdade de armas processuais entre as partes.

Numa segunda fase, dedicou‑se sobretudo a uma análise jurídica do fenómeno dos deveres de cooperação dos sujeitos passivos, ou seja, de todos os deveres que têm hoje os contribuintes e que antes cabiam à Administração fiscal (calcular o lucro, avaliar o património, declarar rendimentos, calcular o imposto, cobrar o imposto a terceiros, etc.).

A terceira fase da sua obra aborda uma série de questões relacionadas com o Direito do Balanço e da Contabilidade, o valor jurídico da regulação internacional da contabilidade, os parâmetros das opções contabilísticas das empresas com efeitos fiscais e vários aspectos relacionados com o património e a prestação de contas das sociedades.

Florença, 2009

Numa quarta fase, voltou a assuntos que tinha tocado no início da sua carreira e estudou com profundidade os limites do planeamento fiscal, ou seja, procurou definir os limites que o ordenamento jurídico pode impor aos comportamentos dos contribuintes que tenham como objectivo reduzir a sua carga fiscal.

Sendo estas as principais categorias nas quais se pode agrupar a sua obra, J. L. Saldanha Sanches tocou quase todos os aspectos do Direito Fiscal, desde a tributação do consumo aos poderes tributários dos municípios, passando pela tributação de mais‑valias em IRS, tendo escrito sobre todos os impostos vigentes.

Publicou um Manual de Direito Fiscal (Coimbra Editora, 3.ª ed., de 2007) e, em co‑autoria, um Manual de Direito Fiscal Angolano (Coimbra Editora, 2010), no qual analisa questões relacionadas com a fiscalidade das economias em desenvolvimento e a tributação do petróleo e de outros recursos naturais. Justiça Fiscal, a última obra que escreveu, publicada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos em 2010, é o ensaio de síntese das suas principais ideias sobre a questão fiscal e o Estado, desenvolvidas ao longo de três décadas.

Participou em centenas de conferências em Portugal e no estrangeiro, integrou dezenas de júris de mestrado e doutoramento, orientou dezenas de seminários e de teses de mestrado e de doutoramento e prefaciou dezenas de obras. Foi membro fundador, em 1997, da European Association of Tax Law Professors.

Em 2007, criou um sítio na internet (www.saldanhasanches.pt) que contém a maior parte dos seus artigos científicos publicados, participações na imprensa, slides de aulas e conferências.

II. Actividade profissional
Para além da carreira académica, colaborou com várias instâncias do Ministério das Finanças e, como jurisconsulto, com empresas privadas portuguesas e estrangeiras. Foi ainda jornalista da ANOP – Agência Noticiosa Portuguesa e colaborador do Semanário Económico, que depois passou a Diário Económico (1987–1990), e do Jornal do Comércio.

No âmbito do Ministério das Finanças, foi jurista do Centro de Estudos Fiscais, de 1984 a 1996, e membro do Conselho Nacional de Fiscalidade, de 1996 a 2000. Foi ainda o representante do Ministério das Finanças na Comissão Monti para o estudo da harmonização fiscal europeia, em 1997, nomeado pelo ministro António de Sousa Franco, e membro da Comissão de Revisão entre 2002 e 2005. Foi também presidente da Comissão de Estudo e Análise da Regulamentação do Processo Fiscal (1997) e presidente da Comissão para a Codificação dos Impostos Especiais de Consumo (1999).

Como jurisconsulto, desde 1996 aconselhava as principais empresas portuguesas nas suas opções e litígios fiscais, redigindo pareceres de direito para serem juntos a processos judiciais e administrativos. Colaborava também com empresas multinacionais e estrangeiras e algumas entidades públicas estaduais, autárquicas e das Regiões Autónomas em matérias de Direito Tributário, Financeiro e Orçamental.

Foi fundador e director editorial do grupo Edifisco e director da revista Fisco de 1988 a 1998, publicação fundamental num momento‑chave da moderna fiscalidade portuguesa (introdução do IVA em 1986 e reforma fiscal de 1989), tendo organizado inúmeras conferências nesse âmbito. Em 2000, fundou a Fiscalidade — Revista de Direito e Gestão Fiscal, de que era director.

Era, desde 2009, presidente do Conselho Fiscal das empresas Império Bonança e da Fidelidade Mundial. Nos últimos anos, aconselhava gratuitamente contribuintes e empresas de menores recursos que procuravam a sua ajuda.

III. Participação política
Aderiu ao Partido Comunista Português no Liceu Camões em 1957/1958, por causa da candidatura de Humberto Delgado, mobilizado por Rúben de Carvalho, de quem era colega e amigo, abandonando o partido em 1966, enquanto estava preso na cadeia do Forte de Peniche. Foi membro do MRPP a partir de 1972, tendo sido director do jornal Luta Popular. Abandonou o partido em Setembro de 1975, ano em que publicou O MRPP: instrumento da contra‑revolução, contendo duras críticas ao partido.

Após uma breve passagem pela UDP, afastou‑se de qualquer forma de participação partidária, até que, em 2007, foi mandatário financeiro da candidatura de António Costa a presidente da Câmara Municipal de Lisboa, convite que aceitou em virtude das circunstâncias excepcionais que levaram àquela eleição autárquica intercalar.

Em consequência da sua participação política, foi baleado pela polícia e esteve preso cerca de oito anos, entre os 20 e os 30 anos de idade. Foi defendido no Tribunal Plenário por Mário Soares e por Jorge Fagundes (também recentemente falecido, em Julho de 2010). Libertado a 25 de Abril de 1974, foi preso logo em Junho pelo COPCON de Otelo Saraiva de Carvalho, até Outubro, no Forte de Elvas. Referia os anos de prisão como tempos de boa memória, que lhe permitiram estudar intensivamente (não só Direito, mas também História, Economia, Literatura e Matemática) e ganhar disciplina de trabalho intelectual. Dizia, sem ironia, que devia ao «Doutor Salazar» a sua carreira académica e desprezava quem se queixava da tortura ou da prisão política, ou pretendia com isso obter reconhecimento ou favores políticos ou pessoais.

Estava presente assiduamente nos meios de comunicação como comentador não só de questões fiscais, como de actualidade política.

Se, como académico, se preocupou com a justa distribuição da carga tributária entre os contribuintes, na sua intervenção pública escolheu também olhar ao outro lado da questão — o modo como o dinheiro dos contribuintes era gasto pelo Estado. Criticou duramente o desperdício de dinheiros públicos, alertou para a corrupção no Estado, nas autarquias e na Justiça, e para os perigos e ineficiências do aumento do peso do Estado.

Mantinha uma colaboração regular no programa «Frente‑a‑Frente » da Sic Notícias desde 2003 e na imprensa escrita, primeiro no Público, entre 1991 e 1996, e desde então no Expresso. Parte das suas crónicas publicadas no Expresso foram reunidas no livro O Natal do Sinaleiro e Outras Crónicas, publicado pela editora Dom Quixote em 2004. Ditou «Os papa‑reformas», a sua última crónica, em que critica a acumulação de reformas por titulares de cargos públicos, da cama do hospital, na véspera da sua morte.

A filha, Laura Saldanha Sanches, recebe a condecoração póstuma que foi atribuida ao seu pai no Dia de Portugal de 2010

Viveu apaixonado por história, pintura, Veneza e pela Ericeira, onde passava férias desde criança e a cujo mar foram lançadas as suas cinzas. Sempre que podia, refugiava‑se em Carlão, aldeia da mulher, no concelho de Alijó, Trás‑os‑Montes, terra de «grandes vinhos, grandes pratos, as encostas únicas e o Douro lá no fundo» (do Prefácio que escreveu para o livro Uma Cozinha no Douro, de Rui Paula, o seu chefe de cozinha preferido e proprietário do restaurante DOC, na Folgosa).

João Taborda da Gama, in Fundação Francisco Manuel dos Santos, Justiça Fiscal (separata.indd)

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