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TIPOS DE BENS

TIPOS DE BENS

Assistimos constantemente em todos os países de índole democrática, e principalmente de cariz social, às mais variadíssimas medidas políticas adotadas pelos órgãos públicos, tendo em vista a tentativa de melhoria da qualidade de vida das sociedades e dos cidadãos em particular, desde as intervenções nos sistemas de educação ou saúde, até ao incremento das retribuições mínimas, passando pela salvaguarda sustentável do meio ambiente, entre outras.

As próprias campanhas eleitorais são pródigas em promessas deste nível, encontrando-se a sociedade portuguesa num ano de inúmeras eleições com destaque para as legislativas, a assistir a alguns conflitos partidários relativamente aos maiores direitos (ou não) que a respectiva população deve beneficiar e desde logo com maior realce, à recuperação dos salários para algumas classes específicas como os professores, ou à extinção das taxas moderadoras no setor de saúde público (medida esta que irá mesmo avançar).

Aliás, um dos principais temas sempre em debate ao longo das épocas diz precisamente respeito ao maior ou menor papel que o Estado deve dispor na comunidade e nomeadamente, se deverá intervir mais (Estado Intervencionista que poderá incidir num Estado Social) ou menos (Estado Liberal ou não Intervencionista) ou dito de um modo mais jurídico, até onde, e em que moldes, deve o Estado proporcionar aos seus cidadãos e a quais (se a todos ou apenas a alguns que disponham de certas características, caso de menores rendimentos por exemplo) os direitos económicos, sociais e culturais preceituados nos arts 58º a 79º da nossa Constituição da República Portuguesa.

No entanto, e numa realidade atual de defesa dos Direitos Humanos e da correspondente Dignidade dos seus destinatários, mesmo para quem defenda em muitas situações uma interferência restrita (defensores do Estado Liberal ou Não Intervencionista) é pacífico doutrinalmente que a ingerência do Ente Público será sempre indispensável em determinadas situações, já que uma integral economia de mercado não conseguirá nunca fazer face a certas conjunturas, que obrigatoriamente surgirão.

Tal se deve às características concretas que certos bens possuem e que impossibilitam a sua correta oferta pelos agentes privados, já que estes procuram satisfazer as suas necessidades individuais relegando para plano secundário o interesse coletivo, que deverá ser oferecido pelos representantes da correspondente Comunidade, designadamente as instituições públicas que constituem o Estado.

Ou seja, quem participa no Mercado só o faz para usufruir de um retorno, que por regra é financeiro, e os benefícios sociais que provoca a terceiros deve-se, de acordo com Gregory Mankiw, a incentivos que irá receber, numa ótica explicada de modo exemplar pelo Princípio da Mão Invisível de Adam Smith.

Assim, e como mais relevantes, existem quatro categorias de bens, nomeadamente os semi-públicos, privados, públicos e recursos comuns, Esta classificação é constituída prioritariamente por duas propriedades, a excluibilidade e a rivalidade, incorporando-se os mesmos nas correspondentes tipologias, consoante as possuam ou não.

Um bem é excluível se for possível por alguém impedir a sua utilização por parte de terceiros, verificando-se por isso um condicionamento intencional. Um terceiro ficará desta forma dependente da autoridade de outrem para poder beneficiar da utilidade que lhe seria proporcionada pelo bem em causa. Caso este domínio decisório suceda, encontramo-nos perante uma excluibilidade sendo irrelevante que por vezes o critério de resposta seja positivo, já que o que conta é existir esta possibilidade de ponderação quanto ao seu possível uso.

Será rival se o seu usufruto por alguém prejudicar o seu desfrute por parte de outrem, ou seja, se ocorrer um impedimento de cariz natural que não se relaciona agora com a vontade de certo individuo quanto ao seu  aproveitamento, mas com a sua própria natureza escassa, que limita a extensão do proveito que o mesmo provoca a terceiros.

Os bens semi-públicos e privados gozam das duas disposições, os recursos comuns são rivais e os públicos não dispõem de nenhuma delas, percebendo-se agora a problemática levantada anteriormente. É que os mercados só promoverão aqueles que lhes derem lucro, designadamente os privados.

A oferta da maioria dos bens numa economia de mercado dependerá por conseguinte do poder de decidir quem poderá adquirir ou usufruir destes, que normalmente se concretiza no preço a pagar a quem é o legítimo detentor, que por sua vez o produziu ou atuou como intermediário na concernente rede de distribuição e que procura receber um determinado retorno com base no sistema da oferta e da procura.

Sistema este que suprime aqueles que não fruem do valor atribuído ao bem em causa e que, portanto, não conseguem aceder à sua utilização, precisamente pela propriedade da exclusão.

Mas a produção de certo bem dependerá sempre da procura existente já que a tramitação do seu fabrico envolve necessariamente, através da correspondente fronteira de possibilidades de produção, o uso de vários insumos (recursos naturais ou se quisermos, a matéria prima a utilizar, trabalho, nomeadamente os recursos humanos com a sua força laboral e os bens de capital, isto é, as máquinas e outros equipamentos duráveis) que provocarão inevitavelmente um custo.

Desta forma, só serão produzidos os bens que previsivelmente serão escoados por benefícios considerados satisfatórios o que acarreterá um impedimento natural devido à sua escassez, ou seja, serão bens rivais concluindo-se assim, conforme supra indicado, que os bens privados são excluíveis e rivais.

Todavia, em Estados com preocupação social existe um bem denominado de semi-público. Originalmente encontramo-nos perante algo que é privado por ser cumulativamente excluível e rival, que deverá ser disponibilizado pelos mercados. Mas devido à excluibilidade provocada por estes, várias necessidades fundamentais básicas (como a educação, a saúde ou a habitação condigna) não seriam satisfeitas por impossibilidade de acesso por parte de um grupo determinado de população, que não teria meios financeiros para os obter, o que acarretaria igualmente uma violação da dignidade da Pessoa Humana e desigualdades equitativas sociais (com influências negativas para toda a coletividade por via de um efeito dominó).

Desta forma, através de decisões políticas influenciadas pela inevitabilidade de incremento das externalidades positivas tais direitos essenciais serão assegurados direta ou indiretamente (por concessões ou parcerias público-privadas) pelo Estado a um valor simbólico, inferior ao valor de mercado e designadamente pelo pagamento de taxas, como acontece por exemplo com as taxas moderadoras nos hospitais ou com as propinas nas universidades públicas.

A permissão de utilização por parte de toda ou quase toda a população de determinado território vem trazer um valor social que proporciona um aumento das externalidades positivas e consequentemente, uma maior qualidade de vida e bem-estar às sociedades usufrutuarias destas regalias.

Nos exemplos por nós referidos, uma maior saúde pública com mais recursos humanos disponíveis, ou por intermédio da educação cérebros mais habilitados cientificamente e com efeito, mais produtividade e capacidade de riqueza.

Podendo também, dada a sua superior importância, serem gratuitos e suportados integralmente pelos impostos, como acontece em Portugal com o ensino básico ou brevemente na saúde, pela extinção das taxas moderadoras.

Diga-se, no entanto, que nos bens semi-públicos, à semelhança dos bens privados, as entidades responsáveis pela sua oferta dispõem igualmente da faculdade de obstruir a sua utilização àqueles que não se enquadram nos requisitos definidos mantendo-se a propriedade de exclusão, precisamente pelas suas características escassas, visto que o Estado não goza de meios infinitos para assegurar estas prerrogativas de modo ilimitado, concluindo-se identicamente pela existência de rivalidade.

Já os bens públicos são disponibilizados por natureza de modo absoluto por não serem excluíveis nem rivais, isto é, os seus benefícios são genéricos não sendo possível impedir o seu aproveitamento por parte de alguém e os proveitos provocados a certa pessoa não prejudicam as mesmas vantagens a terceiros.

É o caso da defesa nacional ou dos programas de combate à pobreza, que favorecem a totalidade da população, concedendo inclusivamente àqueles que não têm interesse em contribuir o aproveitamento equitativo de tal utilidade. Por estas razões, que podem envolver condições de soberania, estes bens, não excluíveis e rivais, são e devem ser providenciados pelas instituições públicas mediante representação de vontades democráticas e pagamento coercivo de impostos.

Por fim, falta-nos referir os recursos comuns, que se relacionam normalmente com as externalidades negativas e com o desenvolvimento ambiental sustentável. A título de exemplo, enquadram-se aqui como mais significativos os animais selvagens, terrestres ou marítimos, os mares ou rios bem como as praias e o ar puro. São bens oferecidos pela natureza e, portanto, não excluíveis, mas alvo de abusos quanto à sua utilização, visto não serem inicialmente alvo de propriedade (não pertencerem a ninguém).

Como já explicado, cada cidadão preocupa-se com o seu bem-estar individual, o que o leva a gerir em seu proveito os bens que lhe pertencem ou seja, os bens privados. Mas por outro lado, tenta esgotar os privilégios individuais que pode receber dos recursos comuns e infelizmente muitas vezes provocando a sua degradação ou extinção designadamente através do excesso de externalidades negativas.  São exemplo a poluição do ar e da água bem como a extinção dos animais selvagens, que prejudicam o usufruto por parte de terceiros e reflexamente, dos próprios.

Desta forma, para salvaguarda da própria qualidade de vida das sociedades como um todo, o Estado deverá dispor sempre e forçosamente de uma função de garante, sendo aliás um dos princípios económicos primordiais a intercessão dos governos na melhoria do bem-estar.

Diga-se ainda, que a classificação de cada bem poderá ser modificada consoante as alterações das propriedades analisadas neste artigo. Os animais selvagens por exemplo, poderão ser em certos territórios alvo de propriedade (para sua proteção por exemplo, como acontece em África com felinos ou elefantes) e basta colocar uma portagem numa estrada para esta deixar de ser não excluível.

Crónica de Miguel Furtado, Professor do ISG

TIPOS DE BENS

Responsabilidade dos Cônjuges por Dívidas

Uma das matérias mais relevantes nos ramos de direito privado é a relação entre credor e devedor proveniente de uma obrigação realizada através de um acordo com incidência legal ou decorrente da própria lei, caso de um contrato na primeira situação e consequentemente da respectiva responsabilidade contratual ou da responsabilidade extracontratual no âmbito da segunda hipótese (por exemplo, a responsabilidade pelo risco relativa à posse de um cão de raça perigosa ou dos danos provocados pela realização de uma obra).

Assim, como consequência das relações desenvolvidas pelos seres humanos entre si, surgem normalmente como salvaguarda da coexistência necessária numa sociedade (lembremo-nos que este é o principal fundamento do Direito, conforme já desenvolvido num outro artigo – 11 de dezembro de 2017) responsabilidades pelos danos eventualmente provocados quer pelo não cumprimento de um contrato quer pela violação de uma conduta estatuida pelas normas legais que prejudique terceiros no decorrer normal desta coabitação social, de acordo com o princípio da Segurança Jurídica.

No artigo desta semana é nossa pretensão analisar a responsabilidade de cariz originariamente contratual provinda de dívidas provocadas por um devedor casado e perceber se o correspondente cônjuge é igualmente afetado através do seu património.

Não existem dúvidas de que quem provocou a dívida será obviamente responsabilizado através dos seus haveres e até à extinção da mesma, pois como nos explica o art. 601 do CC (e sem analisarmos aqui as responsabilidades relacionadas com as empresas, trabalho aliás já realizado igualmente em outras ocasiões), “pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora”.

Deste modo, a ambição é verificar se o outro membro do casal, ou seja, o cônjuge do devedor, responde também com o seu património pelas importâncias provocadas por este ao seu credor e não pagas, prioritariamente a nível comercial.

Desde logo é fulcral estabelecer, em conformidade com o art. 1671º do CC, que os membros do casal têm direitos e deveres idênticos verificando-se portanto uma igualdade entre as partes. Tal não sucedia desta forma em épocas anteriores onde o homem era considerado jurídica e socialmente o cabeça de casal, com direitos prevalentes, encontrando-se consequentemente a mulher subjugada legalmente a este.

Esta possibilidade de igualdade (ou não) apresenta-se como essencial para estipulação de quem pode contrair dívidas. Como as partes são iguais nos seus direitos e deveres pertencendo a ambos a direção da sua família tendo em conta o seu bem mas igualmente e ao mesmo tempo, os interesses individuais de cada um, em conformidade com o disposto no art. 1671, nº 2 do CC, os dois membros têm liberdade para contrair dívidas sem o consentimento do outro, como poderemos concluir pelo nº 1 do art. 1690 do CC.

Desta forma, se um deles contrair uma obrigação sem o consentimento do outro membro, este também será responsabilizado ou “apenas” o devedor? Quando nos referimos a um comerciante nomeadamente um empresário em nome indívidual (ou identicamente a um proprietário de um EIRL que tenha praticado confusão patrimonial – ou dito de outra maneira, violado o princípio da Separação Patrimonial por ter usado indevidamente bens do estabelecimento para benefício particular) o mesmo necessita impreterivelmente, no desenvolvimento da sua atividade comercial, de realizar encargos sendo pois este facto inerente à própria vida corrente do comerciante (por exemplo, numa sapataria, de adquirir artigos ao seus fornecedores para posteriormente vender).

Destarte, é desde logo relevante perceber se a situação se enquadra em matéria regulada pelo direito comercial ou se o ramo a aplicar é o de direito cívil. Para que seja o primeiro devem suceder cumulativamente e de imediato dois pressupostos, de acordo com o preceituado no art. 15º do CCOM. A dívida realizada deve ser comercial e quem a contraiu ser comerciante.

Para o débito ser de cariz mercantil terá que encontrar-se relacionado com um ato de comércio objetivo ou subjetivo (remetemos a explicação desta matéria para o nosso artigo do dia 4 de Outubro de 2017) e dispor deste modo de uma correlação direta ou indireta com a atividade comercial.

Ser assim a própria atividade comercial (o tal exemplo supra referido da compra dos sapatos para revenda)  ou ser alusiva a ela (a aquisição dos móveis para da sapataria – prateleiras, balcão, cadeiras para os clientes se sentarem e experimentarem os sapatos, etc). O devedor terá ainda que ser comerciante (remetemos a explicação deste tema para o nosso artigo do dia 15 de Novembro de 2018).

Não basta que se verifique apenas um dos requisitos já que poderá não possuir qualquer expressão para a propagação comercial. Veja-se o exemplo de um cidadão comum, que não seja comerciante. Se este quiser, poderá adquirir alguns produtos em promoção em algum estabelecimento e revender. Apesar da dívida ser mercantil, o sujeito praticou apenas um ato isolado para usufruir naquele momento de algumas mais valias não fazendo sentido aplicarem-se as normas de um ramo de direito específico, com determinadas finalidades. Para tal, bastava existir o direito regra (direto civil).

Diga-se ainda que um comerciante não limita a sua vida à atividade comercial que desenvolve, também pratica outros atos independentes do comércio e inclusivamente “do seu comércio”. Dessarte, se o tal empresário de sapatos adquire um pacote de férias para si e correspondente família, não faz igualmente sentido aplicar-se ao mesmo as disposições mercantis já que nos encontramos perante um mero ato civil.

A dívida deverá então ser comercial e praticada por um comerciante. Diga-se ainda que o credor é que deverá comprovar estes dois factos visto ser ele o interessado, nos termos do art. 342º do CC, cabendo-lhe por efeito o ónus da prova.

A acontecerem estas duas situações cumulativas, tudo indica com elevada probabilidade que a dívida comercial realizada pelo comerciante, foi contraída no exercício do seu comércio. Ora, devido a esta forte viabilidade e como o credor já teve a obrigatoriedade de demonstrar as duas primeiras, a lei “oferece-lhe” esta presunção mas cabendo ao devedor a possibilidade de a ilidir (arts. 349º e 350º do CC).

Imaginemos que o comerciante de sapataria adquira alguns chocolates para vender. Aqui, não ocorre o terceiro pressuposto conseguindo este ser ilidido. Contudo, a normalidade da maioria das dívidas realizadas é estarem relacionadas com o comércio do comerciante. Quando nos dedicamos a uma certa profissão, geralmente os atos que cometemos apresentam-se agregados a esta.

Nestes termos, para que o direito a regular seja o comercial, devem manifestar-se conjuntamente os três pressupostos plasmados no art. 15º do CCOM mas pela sequência indicada. Isto é, o credor tem que comprovar a dívida como comercial e o sujeito da mesma como comerciante.

Caso tal suceda, ocorre de imediato o terceiro pressuposto por entender-se que o referido débito foi contraído para o exercício do comércio deste comerciante, tendo o devedor a possibilidade de o ilidir. Se este não o conseguir, o direito aplicável é o comercial e a resposta de quem responderá encontrar-se-à no art. 1691º, nº 1, alínea d) do CC.

Mas se o credor não conseguir desde logo demonstrar as duas hipóteses iniciais ou, caso consiga, o devedor comerciante lograr ilidir a presunção respeitante à terceira condição, a situação já não será alvo do direito comercial pela não simultaneidade dos três quesitos aplicando-se desta forma o direito civil, nos termos do art. 1691º, nº 1, alínea c).

No âmbito da alínea referida (c)), para que ambos os cônjuges respondam com todos os seus bens e portanto, igualmente o cônjuge do devedor,  deverá verificar-se proveito comum do casal ou seja, o resultado da dívida teve que beneficiar a outra parte que não a contraiu. Imaginemos que um dos membros adquiriu um sofá para a sala onde o casal reside. Ora, o cônjuge obviamente irá também poder usufruir deste e nestes termos, há a vantagem mencionada.

O normal é assim suceder proveito comum do casal. Para que tal não ocorra, deverão efetivar-se duas conjunturas cumulativas designadamente verificar-se uma separação de facto (cada um reside em moradas diferentes) bem como não manifestar-se uma benesse económica elevada (oferta de um automóvel por exemplo) ou reitereada (pagamento de prestações ou rendas da habitação onde reside o outro elemento).

Isto é, ambos devem desenvolver vidas separadas e, tirando casos excepcionais de pequenas lembranças como a oferta de um perfume num aniversário ou no Natal, tudo o resto significará que um recebe regalias provindas dos compromissos do outro.

Na prática, não acontecerá proveito comum do casal quando os cônjuges já terminaram a relação sentimental que tinham e estão em vias de se divorciar. Num qualquer vínculo afetivo, o habitual será um dos esposados usufruir dos privilégios que o outro lhe possa proporcionar.  Mas diga-se que a demonstração da existência deste proveito comum do casal pertence ao credor e não ao devedor.

Ou seja, além do credor possuir o ónus legal de atestar os primeiros pressupostos do art. 15º do CCOM nos termos acima explanados, continuará a precisar de conferir, se o ramo de direito a ministrar for o civil, que houve proveito comum do outro integrante do casal.

Quanto à alínea d) do art. 1691º, nº 1 e nos termos da salvaguarda reforçada do credor no decorrer das disposições do direito comercial, verifica-se em compatibilidade com o nº 3 do mesmo artigo nova presunção, agora do proveito comum do casal, devendo mais uma vez o devedor tentar contrariar esta.

Lembremo-nos todavia que, para se aplicar a alínea d), manifestam-se as três condições conjuntas do art. 15º do CCOM significando deste modo que o devedor comerciante não conseguiu ilidir a presunção preceituada neste preceito.

Ou seja, nas disposições relativas ao direito civil (art. 1691º, nº 1 alínea c)) o devedor é o mais beneficiado pela lei ficando os encargos de prova a cargo do credor. Já nas normas regulatórias do direito comercial o credor por regra (com excepção dos dois primeiros quesitos cumulativos do art. 15º do CCOM) é o beneficiário, devendo ser o devedor comerciante a tentar ilidir as duas presunções explicadas neste nosso artigo.

Ocorre no entanto um caso excepcional na alínea d) do art. 1691º , nº1 do CC que não é extensível à alínea c) nomeadamente a responsabilidade  da dívida atingir automaticamente apenas os bens do devedor se o regime de casamento for o da Separação de Bens, sendo irrelevante que o outro componente do casal  tenha sido favorecido.

Apesar da finalidade genérica principal do direito comercial ser a de salvaguardar as garantias do credor verificam-se várias excepções sendo esta uma delas. A razão da mesma deve-se a um equilíbrio social justo de quem contrai matrimónio com um comerciante.

Isto é, a não existir esta restrição a pessoa que tivesse uma relação sentimental com um comerciante ficaria de imediato e por arrasto após o casamento, adstrita ao risco contínuo que a atividade comercial comporta violando-se a liberdade de família que cada cidadão deve livremente gozar e portanto, um dos direitos fundamentais pessoais principais.

Diga-se todavia que este cônjuge que realiza o casamento comerciante poderá optar em correr este risco permanente se decidir casar-se num regime de comunhão (geral ou de adquiridos) mas neste hipótese foi-lhe proporcionada a faculdade de escolher.

Assim, ou não lhe são aplicadas reflexamente as regras do direito comercial e designadamente a concernente ameaça consecutiva de responder com o seu património mas, ao mesmo tempo, não terá direito aos bens que serão próprios do esposado comerciante, em caso de divórcio.

Ou, por outro lado, poderá casar-se em comunhão numa perspectiva ininterrupta futura de risco. Diga-se que haverá sempre um custo de oportunidade em qualquer um dos tradeoffs exercidos mas o ponto essencial é poder decorrer esta liberdade de opção.

Por fim, se responderem os bens de ambos os cônjuges e de acordo com o art. 1695º do CC, nos regimes de comunhão (nº 1) o credor deverá primeiramente atingir o património comum (pertencente de igual modo as dois) e só subsidiariamente terá possibilidade de alcançar os bens próprios de cada um deles e nesta segunda situação, já de forma solidária (poderá escolher aquele que entender até ao término da dívida).

Já no regime de separação de bens, o credor deverá inicialmente satisfazer-se com o património próprio do devedor e só posteriormente (subsidiariamente) poderá reter os bens do outro cônjuge (nº2), não existindo património comum.

Em caso de responsabilidade apenas do devedor, então, em conformidade com o art. 1691º, nº 1 do CC, só os bens pertencentes ao património próprio do devedor responderão e caso exista um regime de comunhão, a sua menção (fração que lhe pertença) do património comum ficando todos os bens do outro membro do casal salvaguardados.

Diga-se por fim que o proveito comum é do casal e não da família, ou seja, os bens dos filhos nunca serão alvo de qualquer possibilidade de penhora encontrando-se salvaguardados das dívidas protagonizadas pelos seus pais.

 

Miguel Furtado

Coordenador das formações jurídicas pós-graduadas do ISG

 

Vencer o medo

Vencer o medo

Li o que Bruno Bobone disse há dias: o português tem medo de tudo. Li a entrevista[1] na sua totalidade e louvo a audácia de ele dizer, com o desassombro de quem nasceu em África, sem remoques, que “em África, não se pode ter medo. Quem tiver medo morre”.

Já há alguns bons anos que tenho essa perceção e que trabalho para superar o medo. Generalizando, nós, portugueses, somos, de facto, uns medrosos. E isso revela-se no nosso dia-a-dia. E até nas estatísticas – veja-se o estudo 2019 Global Emotions Report[2], da Gallup, que analisa 143 países e que consegue colocar Portugal no 5.º lugar dos mais “preocupados” (ou seja, que responderam que no dia anterior experimentaram sensações de elevada preocupação) do Mundo, a seguir a Moçambique, Chade, Benim e Irão e acima do Camboja, Níger, Togo e Brasil.

E esta preocupação e medo transmite-se de pais e de professores para filhos e alunos. E ainda bem que vieram, em quantidade e qualidade, muitos retornados aquando do regresso das antigas colónias. O que seria deste cantinho sem essa dinâmica (veja-se a quantidade de líderes empresariais e políticos nascidos em África!).

Tive a sorte de a referida entrevista ter sido publicada num dia em que eu dava aulas de Gestão Financeira a alunos do ISG, e em que um dos temas era análise de investimentos. A certa altura, no debate, referi-lhes que tão fundamental como um empreendedor ser um criador (na instalação de um negócio ou na dinamização de projetos dentro de organizações, lucrativas ou de âmbito solidário ou associativo) era perceber qual o momento de sair, se a coisa não estivesse a correr bem. E alguns alunos referiram que sentem que, quando a alguém um negócio não corre bem, é altamente estigmatizado, contrariamente ao que ocorre em outros países, em que se entende que o efeito aprendizagem e correção de eventuais falhas serve para construir uma história de vida que, obviamente, terá vitórias e insucessos (e “coisas” neutras….).

Agora que escrevo, lembro-me dos últimos tempos que tenho vivido, em que muitos me aconselham a ficar calado. Que os ataques que por aí grassam não me são dirigidos, mas sim a outros. Que se eu falar muito me irão perseguir ainda mais. E dizem-me: “estás a ver? Falas e levaste com mais nove meses de suspensão de sócio do Sporting”. Já vou ter de cumprir quase dois anos entre duas suspensões de dez e nove meses, adicionadas a períodos temporários que não relevam para efeitos de contagem. E sabe-se lá que mais. Pois, mas sinto que o melhor que fiz, e que iniciei num texto que o Link to Leaders me permitiu publicar, foi esclarecer as pessoas que são alvo de permanente desinformação e intoxicação mediática sobre o que foi o meu trabalho e dos meus colegas. Julgo que cumpri esse desiderato e continuarei, sempre que necessário, a fazê-lo.

Pois. Também me lembro quando em 2011 e 2013 também me disseram para não me meter em eleições no Sporting. Que eu e os outros éramos loucos. Pois éramos. E fizemo-lo por paixão, com dedicação e com algum desapego a vidas, porventura, confortáveis. Como outros (poucos) o fizeram. Não há nada na minha vida profissional e pessoal que me faça envergonhar. E adorei os cinco anos de pertença aos órgãos sociais de um Clube que, reconheço, jamais será unido. Como não o são grande parte das organizações neste nosso país de medrosos, bufos e invejosos. E digo isto com conhecimento da nossa História. Ora bolas! Sempre foram 285 anos de Inquisição e 48 anos Ditadura. Como também explico aos meus alunos de História e Economia Social, citando David Landes, no seu livro “A riqueza e a pobreza das nações”[3] e outros autores, todos nós temos um ADN cultural que nos propele ou limita.

Cabe a todos, professores, alunos, políticos e restantes cidadãos, identificar aquilo que nos torna diferentes e converter as alegadas falhas de carácter em ferramentas de sucesso: para que o medo se torne prudência e alerta, conectados à alegria em criar e em converter, para melhor; para que a delação se transforme em capacidade de análise crítica e liberdade de opinião e de denúncia (real) de iniquidades; e para que a inveja se reduza a uma vontade de superar os outros (lealmente) e, principalmente, a nós mesmos.

Esta é, quanto a mim, a chave para um país empreendedor. Como será para um Clube como o Sporting que poderá e deverá procurar no seu seio gente que, face a esta falta de união, mantenha uma dinâmica que vem permitindo uma notoriedade de marca e a construção de um conjunto de outros intangíveis, apesar da falta do que muitos sentem, de títulos e maiores sucessos. E que o façam sem medos. Que o Adamastor já lá ficou atrás há muitos anos.

Artigo em Link to Leaders

[1] https://bit.ly/2WF6Op7

[2] https://bit.ly/2W5R7a5

[3] Landes, David S. (2001); “A Riqueza e a Pobreza das Nações – Por que são Algumas tão Ricas e Outras tão Pobres”; Gradiva.

População e futuro

População e futuro

A população portuguesa com mais de 65 anos já ultrapassa os dois milhões de indivíduos (a crescer) e com tendência para crescer enquanto que a população até 15 anos é cerca de um milhão e meio (a diminuir).

Nos últimos dias fomos confrontados com duas notícias sobre a população portuguesa, aparentemente contraditórias, mas que na verdade não o são. São notícias preocupantes que nos farão repensar Portugal para as próximas décadas.

A primeira, relativamente ao aumento do número de nascimentos, que registou, no primeiro trimestre de 2019, o valor mais elevado dos últimos sete anos. Entre janeiro e março nasceram, em Portugal, 21.348 bebés, 30% dos quais na região de Lisboa. Segue-se o Porto, com 18% dos nascimentos. O Interior do país continua a sua trajetória de desertificação e envelhecimento, a analisar pelos registos cada vez menores de nascimentos como na Guarda ou em Castelo Branco. Entre janeiro e março nasceram, em média, 237 bebés, ou seja, mais 11 nascimentos por dia.

Durante 2017 terão nascido, em Portugal, 87.020 bebés, numa tendência de quebra da taxa bruta de natalidade verificada desde 2002, quando ainda registava cerca de 11‰, para, desde 2007, passar apenas a um dígito (9,7‰), situando-se atualmente em 8,4‰ (2018).

A outra notícia informava que em 2018 registaram-se 113.000 óbitos, o número mais elevado desde há 70 anos, e mais 3% do que em 2017. Este fenómeno corresponde à cada vez maior esperança média de vida e a uma estrutura populacional cada vez mais envelhecida, sem “substituição de gerações”, prosseguindo um saldo natural negativo, com efetiva redução da população, verificada nos últimos anos.

A população portuguesa com mais de 65 anos já ultrapassa os dois milhões de indivíduos (a crescer) e com tendência para crescer enquanto que a população até 15 anos é cerca de um milhão e meio (a diminuir). A tendência será ainda mais acentuada quando forem observáveis os dados dos próximos Censos, em 2021.

O grande aumento do índice de longevidade e do índice de envelhecimento terá grande influência nas políticas públicas, em especial no que se refere à Saúde e à Segurança Social, assim como as reduzidas taxas de natalidade farão repensar a atual estrutura pública de educação a nível de todos os ciclos. Os decisores políticos dificilmente poderão adiar mais a reforma séria e efetiva destes três pilares.

Artigo em Jornal de Negócios 2 Maio 2019

Director do ISG – Business& Economics School

 

Oferta e procura do ensino superior 2017/2018

Oferta e procura do ensino superior 2017/2018

Oferta e procura do ensino superior 2017/2018

Para o ano letivo de 2017/2018, pela primeira vez desde 2009, o número de candidatos ao ensino superior é superior ao número de vagas do ensino superior público.

Há oito anos registaram-se 52.949 candidaturas para as 51.352 vagas oferecidas pelas universidades e politécnicos.

Na primeira fase de candidaturas que terminou a 8 de agosto, foram registadas pela Direção-geral do Ensino Superior (DGES) 52.579 candidaturas, ou seja, mais 5,9% do que as verificadas em 2016, em que se registaram 49.655 candidatos.

Para 2017/2018, o ensino superior público oferece 50.838 vagas a nível de cursos de 1.º ciclo (83%) e mestrado integrado (17%), nos sistemas universitário e politécnico, cujos resultados serão divulgados a 11 de setembro, sendo as vagas sobrantes para candidatos às 2.ª e 3.ª fases.

A taxa de natalidade e a crise financeira dos últimos anos podem justificar a quebra de candidatos, que agora parece ter recuperado. No entanto, existe uma clara adaptação da oferta e da procura pois o número de candidatos é muito próximo do número global de vagas oferecidas por mais de 1.060 cursos. A grande questão é que, nos cursos de maior procura, as vagas são muito poucas em detrimento de oferta de cursos que praticamente não têm candidatos. É este o grande desfasamento. Um outro fator importante foi a melhoria das médias registadas na 1.ª fase dos exames nacionais, mesmo a Matemática, que continua a ser a prova de acesso mais relevante para a generalidade dos cursos em Portugal.

Desde a reforma de Bolonha (2006), o ensino superior tem sido “praticamente uma continuidade” do ensino secundário, em que atualmente a taxa da população portuguesa com ensino superior é mais de 17%, as taxas de natalidade têm sofrido reduções significativas (INE). Os candidatos de 2017 nasceram, na sua generalidade, até ao ano 2000, quando se verificavam taxas de natalidade de 11,4 bebés por cada mil habitantes. Essa taxa é inferior a dois dígitos desde 2007, antevendo uma redução gradual de candidatos nos próximos anos e dos 356.399 estudantes que frequentam atualmente o ensino superior.

Professor Doutor Miguel Varela, Director do ISG – Business& Economics School

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

Publicado a 09 de agosto de 2017, às 20:20 em jornal de negócios

 

 

Empresas Comerciais e Empreendedorismo

Empresas Comerciais e Empreendedorismo

Empresas Comerciais e Empreendedorismo

Realizou-se no passado dia 28 de Junho, no ISG – Instalações do Instituto Superior de Gestão um curso intensivo subordinado ao tema “Empresários e Sociedades Comerciais”. Neste âmbito e de modo a permitir ao leitor dispor de uma breve noção desta realidade empresarial, esta nossa crónica pretende sinteticamente indicar os vários tipos de empresas comerciais que poderão ser constituídas por um empreendedor e versar sob a principal característica que nos faz optar por uma destas tipologias, caso decidamos avançar para o desenvolvimento de uma actividade comercial, em consequência de uma possível oportunidade de negócio.

Assim, caso queiramos avançar para a criação de uma entidade de cariz mercantil deveremos logo primeiramente meditar relativamente ao património que queiramos que responda, se apenas o pertencente à própria empresa fruto das entradas que efectuámos ou se inclusivamente o património próprio de cada titular bem como eventualmente o do seu cônjuge, em caso da existência por parte deste de proveito comum. Se quisermos desenvolver isoladamente um pequeno comércio de uma forma menos complexa, poderemos optar por uma empresa em nome individual, não existindo sequer um capital mínimo de entrada e bastando o registo junto da Conservatória Comercial, a inscrição da firma junto do Registo Nacional de Pessoas Colectivas e o início de actividade numa Repartição de Finanças. Contudo, levanta-se precisamente a desvantagem da responsabilidade através do princípio da Unidade ou Indivisibilidade do património, não se verificando a separação entre os patrimónios pessoal e empresarial, ou seja, o empreendedor que se decidir por esta hipótese, caso o negócio não tenha sucesso, responderá pelas dívidas perante o credor com a totalidade daquilo que possui, correndo o risco de perder tudo o que adquiriu, o que se propaga igualmente ao seu esposado se o regime de bens escolhido não for o da Separação de Bens.

De resto, obrigatoriamente e até ao ano de 1986, a outra possibilidade resumia-se a desenvolver a actividade apenas através de uma sociedade visto nessa altura ser obrigatória a constituição com dois titulares, funcionando como um obstáculo já que o empreendedor teria sempre que encontrar um outro sócio, que, ou poderia não ser de confiança ou quereria óbvia e legitimamente participar nas decisões, o que poderia impedir a visão empreendedora em causa. Deste modo, surgiu posteriormente, com a finalidade de salvaguardar a vontade do empreendedor de dedicar-se sozinho às suas convicções comerciais, mas agora com protecção patrimonial, o denominado EIRL (Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada), cujo empresário continuaria a ser a pessoa singular mas nesta situação, com a obrigatoriedade de realização de uma entrada mínima de 5000 euros que detém ainda certos requisitos, como uma necessidade de dois terços deste montante ser em numerário, constituindo assim o designado património autónomo, alvo agora da responsabilidade que surgir.

O referido estabelecimento será pois o património empresarial, responsável pelas dívidas contraídas na gestão dos actos de comércio principais de âmbito profissional ficando desta forma garantidos os bens próprios do empreendedor e do seu correspondente cônjuge, a não ser que este utilize indevidamente o espólio da instituição para objectivos particulares, o que subjaz uma confusão patrimonial e uma consequente violação do princípio da separação patrimonial, não existindo motivos para a sua divisão, em prol da defesa dos credores.

Presentemente, já é possível transmitir a comercialidade para uma pessoa colectiva, nomeadamente para uma sociedade unipessoal por quotas, que, ao contrário das outras duas empresas, assumirá o papel de comerciante, pertencendo directamente a responsabilidade à mesma, enquadrando-se nesta modalidade a melhor solução para um empreendedor avançar com maior segurança o seu raciocínio mercantil e cuja actual constituição, através por exemplo da Empresa na Hora, já é relativamente simples. Diga-se no entanto e remetendo para as normas legais da sociedade por quotas, que o titular da mesma, caso entenda, poderá sempre convencionar que será também, solidária ou subsidiariamente com a entidade, responsável pelas obrigações sociais, até um determinado montante, até porque o capital mínimo é de 1 euro, não garantindo a sociedade portanto perante o credor, o pagamento da possível dívida, o que dificultará o crédito pretendido para o necessário desenvolvimento da actividade comercial.

Na prática, a constituição de uma sociedade unipessoal por quotas apresenta-se como a melhor tipologia, visto legalmente, de imediato, ser a mais segura mas permitindo, caso o potencial sócio entenda, adaptar as características, incluindo a da responsabilidade perante os credores, às necessidades do seu negócio e mesmo aqui, sempre até um determinado montante, devendo por regra e salvo convenção em contrário, existir direito de regresso pelas dívidas que o titular responder com o seu acervo particular.

Miguel Furtado, Docente do ISG

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