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A educação como gestão social

A educação como gestão social

O saber, a ponderação, a maturidade (entre outras) aperfeiçoam-se à medida que as rugas do rosto e do coração se vincam em cada um de nós. Não é por acaso que os cardeais da igreja católica ascendem a esta posição já com uma profícua idade, tal como os mestres das artes e dos ofícios.

O poder deve estar nas mãos dos sábios e dos esclarecidos, para que a construção do conceito humanista se concretize em estreita harmoniza com o meio ambiente. Registamos, ao longo da história, referências públicas de homens e mulheres que nos inspiram. Os grandes estadistas revelam-se, com maior acutilância, em momentos de crise onde o aprofundamento de compromissos assume redobrado esforço e responsabilidade.

Dos governantes, partidos políticos, órgãos de soberania, associações e instituições representativas dos estados aguardam-se respostas e convergências para os desafios presentes e futuros.

Sabemos que sempre foi e é mais fácil criticar do que construir soluções. Porém, no tempo que vivemos, não nos podemos prender a contestações e ficar retidos no impasse ou na inércia. A tentação da maledicência, a instigação à desobediência institucional e profissional, minam a confiança social. O antídoto para estes fenómenos sociais e políticos continua a centrar-se no papel e na função da educação, enquanto estrutura de formação individual e coletiva.

A educação, enquanto matéria que constitui a edificação interior de cada um de nós, assume-se como uma ferramenta de afirmação e defesa dos valores democráticos.

O mundo necessita de recolocar a educação no pódio das prioridades de atuação e investimento humano (por parte de todos os países), visando a construção de uma nova sociedade (global) que assuma, real e concretamente, a importância e a dignidade da pessoa.

A escola, o ensino e a educação são e serão, como Aristóteles e Platão escreveram há milhares de anos, a chave para uma sociedade em que a economia seja um elemento da gestão do Homem e não a gestão como um fator condicionador da existência humana.

Professor Doutor João Caldeira Heitor, Secretário Geral do ISG, Coordenador da Licenciatura em Gestão do Turismo, para a Link To Leaders

Simplex eleitoral e e-democracia: do e-voting ao m-voting

Simplex eleitoral e e-democracia: do e-voting ao m-voting

As eleições presidenciais do passado dia 24 de janeiro vieram confirmar a tendência dos valores crescentes da abstenção. Independentemente de se tratar de eleições presidenciais, legislativas, autárquicas ou europeias, a realidade dos números espelha o desinteresse e falta de identificação dos cidadãos com o sistema e processos políticos e com as suas instituições, em especial por parte dos mais jovens.

Até as sondagens sobrestimaram a participação eleitoral. Dos cerca de 10,8 milhões de recenseados, apenas votaram 4,2 milhões, confirmando que a abstenção tem vindo a aumentar desde 1975, em que a abstenção se ficou por apenas 8,3%. Atualmente, é habitual verificarem-se taxas de abstenção de 50% ou superiores nos diversos atos eleitorais dos últimos anos.

Portugal evoluiu muito no que toca à digitalização e simplificação de processos no Estado, no que toca à esfera pública e de relações de cidadania. Veja-se o Simplex e as mudanças na Autoridade Tributária, por exemplo, com o Portal das Finanças e com o e-fatura, ou com o Portal do Cidadão e agendamentos online, com a utilização do cartão de cidadão ou da chave móvel digital.

No campo eleitoral, a e-governação e a e-democracia parecem ter estagnado, mesmo após Portugal ter desenvolvido projetos neste sentido há quase 25 anos através do Secretariado Técnico dos Assuntos para o Processo Eleitoral (STAPE) nas eleições de 1997. Depois, outros projetos foram tentados, mas sem consequências práticas. Desde então, a tecnologia e a digitalização de documentos e processos muito evoluiu. Não falo no voto eletrónico presencial pois pouco valor acrescenta ao processo, poupando apenas em papel (boletins de voto) e em tempo de apuramento de resultados. Vou muito mais longe: porque não permitir o voto sem sair de casa ou em mobilidade (m) com recurso ao telemóvel através da internet (m-voting), com a utilização do cartão de cidadão ou chave móvel digital? As questões de segurança e de legislação parecem-me facilmente ultrapassáveis, ao contrário da aparente falta de vontade (ou iniciativa política) em reformar a Comissão Nacional de Eleições, que parece ter parado no século passado. Os custos de um processo eleitoral com meios logísticos, humanos e de tempo são enormes. É urgente reformular estes processos eleitorais, inclusivamente o facto de nalgumas eleições ser permitido o voto por correspondência e noutras não.

Há 20 anos que a Estónia desenvolveu experiências neste sentido e foi pioneira na votação via internet, tendo sido aplicada em 2007 nas eleições legislativas, constituindo a primeira experiência mundial. Apesar das críticas e de ameaças de vulnerabilidades, a segurança foi garantida e os resultados validados. A verdade é que a abstenção tem vindo a reduzir de eleição para eleição. Além da grande vantagem em termos de mobilização e de redução de custos com a logística eleitoral, o e-voting na Estónia refere-se apenas a votações a partir da internet (de casa, do telemóvel, etc.) e não a votações eletrónicas em locais fixos de votação.

Através de um sistema de autenticação semelhante ao utilizado no cartão de cidadão português, a votação pela Internet na Estónia está disponível durante um período de votação antecipada e os eleitores podem mudar o seu voto até ao dia da eleição. Mais de 30% dos eleitores na Estónia já recorrem a este processo. Outro argumento recorrente será a dificuldade das pessoas com mais idade ou dos que não têm acesso a tecnologias. Se em ambos os casos poderiam existir alternativas tradicionais de voto, a verdade é que também o IRS é entregue via Portal das Finanças (bem mais complicado que votar), as consultas nos centros de saúde são agendadas no portal e que a taxa de penetração dos telemóveis em Portugal é superior a 130%!

Portugal é um país inovador e criativo, inclusivamente no que toca a tecnologia. Mas falta-nos arrojo! Que belo exemplo poderíamos dar à digitalização, à participação cívica, com a criação do voto exclusivo via internet (m-voting).

Professor Doutor Miguel Varela, Diretor do Instituto Superior de Gestão para o Jornal de Negócios

FORGEP e CAGEP do ISG: o futuro já começou

FORGEP e CAGEP do ISG: o futuro já começou

Com a vitória eleitoral de Joe Biden, é provável que se fortaleça o ímpeto do desenvolvimento sustentável nos Estados Unidos, que a América adira ao Acordo sobre o Clima de Paris e que faça eco dos compromissos assumidos pela União Europeia no Acordo Verde para a Europa (European Green Deal).

Finalmente, a inequívoca opção pela inclusão e pela coesão nacional impõe que o futuro, para a Administração Pública, seja também social: mais igualdade e mais oportunidades.

Em suma, o futuro será social, verde e digital e a transição começa por uma Administração Pública atenta e colaborativa, onde os seus dirigentes assumem os objetivos estratégicos de um “bom governo” e estão capacitados para inovar sem perder a exigência de eficiência e eficácia imposta pela escassez dos recursos. A formação executiva dos altos dirigentes e dos dirigentes intermédios da Administração Pública portuguesa no Instituto Superior de Gestão, para além das ferramentas de gestão estratégica, gestão de recursos humanos e de dados, diferencia-se pela especial sensibilidade ao facto do futuro ser já hoje.

Em face dos compromissos políticos com o desenvolvimento sustentável e a inovação rápida, vemos um futuro social, inteligente, conectado, digital e verde. Esperamos uma década de energia limpa e elétrica, com avanços na tecnologia e uma mudança generalizada da mobilidade e nos processos de trabalho, uma década digital e conectada que abrirá o caminho para novas formas de implementar as políticas públicas e de dirigir a regulação da nossa economia e que irá promover uma maior eficiência e uma maior circularidade entre os setores de atividade e na Administração Pública.

Na sua oferta de formação executiva para a Administração Pública, o ISG oferece o FORGEP – Formação em Gestão Pública, destinado, nos termos da lei, aos quadros intermédios da Administração Pública, assim como a sua atualização, e o CAGEP – Curso Avançado de Gestão Pública, obrigatório para os altos dirigentes da Administração Pública, cujos programas apostam na valorização das competências essenciais da gestão contemporânea pública nacional e europeia.

Professor Doutor Rui Teixeira Santos, Coordenador Científico dos cursos CAGEP e FORGEP e Docente do ISG

Sobreviver e crescer

Sobreviver e crescer

Penso que, hoje como nunca, precisamos de focar e tomar todas as nossas decisões, todas mesmo, com um só critério. O que apoiar e satisfizer esse critério avança; o que não o fizer, não vale a pena concretizar. Primeiro, temos de sobreviver. Depois, temos de crescer de forma sustentada, assentes numa nova estratégia, tipo pacto de regime estrutural para as próximas décadas, imune a quem nos governa, com uma só prioridade/critério: bom investimento que nos potencie os recursos endógenos e territórios à escala mundial. Para isso precisamos de maior dimensão das nossas empresas e de menos e melhor Estado.

SOBREVIVÊNCIA

Os auxílios dos Bancos Centrais e dos Estados, suportando o emprego, injetando liquidez na economia e apoiando a tesouraria das famílias e das empresas são fundamentais. Em particular, os auxílios às empresas exportadoras, com processos de investimento e de investigação e desenvolvimento em curso, são cruciais para o crescimento futuro da economia.

Contrariando a evolução francamente positiva das últimas duas décadas da intensidade exportadora da economia (em que as exportações passaram de pouco mais de 20% do PIB para 43,9% do PIB, em dezembro de 2019), nos primeiros oito meses de 2020, registou-se uma queda acentuada das exportações e das importações de bens (-14,1% e -18,3%, respetivamente), a refletir a redução dos fluxos de comércio internacional a nível global. Os maiores contributos negativos para a evolução das exportações vieram naturalmente dos nossos principais parceiros comerciais (Espanha, Alemanha, França, Reino Unido, Itália e EUA). Este cenário de instabilidade internacional é agravado ainda pelas incertezas relativamente ao Acordo Brexit – estimando-se que as empresas portuguesas venham a ser confrontadas com uma redução das exportações globais de bens e serviços entre -1,1% e -4,4% (recorde-se que o Reino Unido é 4.º destino das exportações de bens e 1.º destino das exportações de serviços), dos fluxos de IDE entre -0,5% e -1,95% (4º principal investidor), e das remessas de emigrantes entre -0,8% e -3,2% (3.º país de origem), decorrentes da contração da economia britânica.

PROBLEMAS ESTRUTURAIS

A pandemia veio apenas agravar a divergência económica de Portugal em relação à Europa e ao mundo, especialmente desde 2000, fruto da nossa perda de competitividade e da persistência e agravamento dos problemas estruturais da nossa economia, destacando-se os seguintes:

  • Excesso de endividamento externo: a nossa dívida externa líquida passou de -16% PIB, em 1999, para -96% PIB, em 2019.
    O crescimento acentuado da dívida pública e privada faz com que Portugal seja um dos países com maior aumento da sua dívida externa no mundo. A dívida pública passou de 49,5% do PIB, em 2001, para mais de 117% do PIB em 2019, resultante de deficit orçamentais crónicos. Assim, no setor público, continua a aumentar a despesa e não ocorrem nem os investimentos estruturais nem os necessários ajustamentos e reformas (o peso do Estado continua a ser de quase 46 % do PIB). Desde 2011 até 2019, a despesa corrente das administrações públicas cresceu cerca de 4 mil milhões de euros. Por outro lado, o peso da Formação Bruta de Capital Fixo no PIB passou de 28%, em 2000 para 16,8%, em 2017. Nesse período, apenas a Grécia tem um peso do investimento no produto interno bruto inferior ao nosso, estando a média da União Europeia acima dos 20%.
    Este aumento significativo da dívida, também das famílias e das empresas, resulta fundamentalmente de um modelo errado de crescimento assente no consumo interno e no excessivo recurso ao crédito.
  • Fraca produtividade de fatores: De 2000 a 2017, a nossa produtividade cresceu 0,7%, abaixo do crescimento médio anual da Europa e de Espanha (0,8%) e significativamente abaixo de países como a Polónia, Lituânia, Roménia e República Checa (que tiveram no mesmo período uma taxa de crescimento acima de 3%). O crescimento anual estimado do nosso produto potencial (pleno emprego de fatores), para os próximos vinte anos, é de 0,9%, de novo abaixo do crescimento médio dos 28 países europeus (1,3%).Esta pouca produtividade da economia assenta, entre outros fatores, na ausência de reformas no sistema político e do Estado (que aumentam os custos de contexto), reformas no emprego e nas políticas sociais. Denote-se que se assistiu, por outro lado e em sentido bastante positivo, durante as duas últimas décadas, a um reforço muito significativo do capital humano com a generalização do ensino universitário e crescimento dos níveis de investigação.

CRESCER COM MELHOR INVESTIMENTO

Para a fase de recuperação e crescimento, na próxima década e meia, exige-se, portanto, uma rutura no sentido da transformação estrutural e crescimento da competitividade externa da nossa economia, que tenha como grande prioridade o aumento do investimento produtivo físico e imaterial, potenciando os nossos recursos e território, e colocando-os ao serviço da economia mundo.

Aproveitando estrategicamente o excecional contributo do Banco Central Europeu (que intervém nos mercados, compra dívida soberana e mantém baixas as taxas de juro, fatores críticos para a solvabilidade financeira dos Estados, sobretudo os mais endividados, como é o caso de Portugal), e a famosa ‘bazuca’ que Portugal vai receber da UE de cerca de 43 mil milhões de euros a fundo perdido (cerca de 13 mil milhões no Fundo de Recuperação mais 30 mil milhões de euros do QCA), a que acrescem mais 10,5 mil milhões de euros de empréstimos bonificados.

Recorde-se de que, desde que aderimos à Comunidade Europeia (de 1986 a 2018), Portugal já recebeu a fundo perdido um valor global de cerca de 130 mil milhões de euros, correspondente a um valor anual de cerca de 2,5% do seu PIB.

Se juntarmos o apoio dado pela troika (UE/BCE/FMI), em 2011, num montante que ascendeu a 78 mil milhões de euros (e que nos salvou da bancarrota) e as receitas provenientes do vasto programa de privatizações (Portugal é um dos países da Europa Ocidental com maior peso das receitas de privatização no seu PIB), chegamos à astronómica quantia de cerca de 300 mil milhões de euros de apoio financeiro sem reembolso (ou com condições bonificadas) concedido a Portugal nos últimos 40 anos (montante equivalente a 1,5 vezes o PIB anual do país).

Portugal para crescer sustentadamente precisa de reposicionar a sua oferta competitiva de bens, serviços, conteúdos e conceitos, alinhando-a com segmentos e atividades que irão ter um crescimento na procura mundial e no comércio internacional. Aos atuais polos de especialização da economia deve adicionar-se uma nova camada de atividades mais intensivas em conhecimento e inovação, incluindo nas áreas da energia, dos materiais e da mobilidade.

Neste sentido, são deveras interessantes duas visões estratégicas de dois reputados economistas portugueses, a que tive oportunidade de assistir recentemente:

A intervenção do professor da Universidade de Nova Iorque, Stern, Luís Cabral, em que este, apesar de admitir a divergência económica de Portugal em relação aos EUA (estamos atrasados cerca de 28 anos, quando no ano 2000 estávamos com cerca de 23 anos de atraso), reafirma o enorme potencial da nossa economia assente no alinhamento entre, por um lado, uma nova geração de portugueses, nascidos na década de 90 do século passado (chamou-lhes geração futuro), mais educada, muito viajada e com enormes capacidades e, por outro, uma aposta nos setores da educação, saúde e entretenimento, no quadro de uma economia globalizada 4.0, ‘independente do espaço’, baseada na informação e em indivíduos hábeis.

A intervenção do economista José Félix Ribeiro, que identifica nas duas macro regiões do país (Região Arco Metropolitano de Lisboa e Sul Litoral e a Região Norte e Centro Litoral) os principais protoclusters, que consistem em start-ups, PME´s, e também multinacionais, organizadas em torno de tecnologias e/ou funções que se distinguem de atividades já consolidadas, e que as vocacionam para exploração dos mercados externos, com ligação estreita a polos de conhecimento que são fundamentais para sua implantação competitiva no país. Enunciou, entre outros, os protoclusters solar térmico e fotovoltaico; mobilidade elétrica; automação e robótica industrial e móvel; farmácia, biotecnologia e engenharia biomédica; telecomunicações, aeronaútica; e engenharia do petróleo e gás offshore.

CRESCER COM MAIOR DIMENSÃO EMPRESARIAL E COM MENOS E MELHOR ESTADO

Para que esta aposta estratégica no investimento produtivo e na nossa competitividade externa sejam sustentável parece-me fundamental garantir, por um lado, o redimensionamento empresarial, dada a pequena dimensão das empresas portuguesas e a sua fraquíssima capitalização (as micro e pequenas empresas são cerca de 60% a 80% menos produtivas do que as médias e grandes). Exige-se, portanto, uma ação para desenvolver melhor capital e trabalho, reforçando a capacidade de gestão das organizações e o seu financiamento (apostando em financiamento por obrigações e outros instrumentos de capital, alternativos ao bancário). É desejável assim a criação de um novo instrumento de financiamento específico para o redimensionamento empresarial, tipo fundo público com abertura a privados, de dimensão internacional, para financiar operações de crescimento empresarial.

Por outro lado, são fundamentais reduzir o peso do Estado na economia e implementar arrojadas políticas fiscais e laborais, que mantenham e criem emprego de forma sustentada. A nossa carga fiscal passou de 35% para 37,1 % do PIB (de 2007 para 2018), – Portugal apresentou a 5.ª maior subida e é um dos oito países da União Europeia que fez crescer a sua carga fiscal. Só com estabilidade e desagravamento fiscal conseguiremos aumentar a competitividade externa da economia, fazendo crescer a nossa intensidade de exportação acima dos 50% do PIB, mas também criando mais incentivos e condições (um verdadeiro choque fiscal e de instalação) para atrair investimento nacional e os fundamentais investimentos diretos de empresas estrangeiras (sejam estes em infraestruturas físicas ou recursos humanos e financeiros, que efetivamente fiquem residentes no país). Para esta renovada dimensão de investimento externo no nosso país, é também vital um novo mapeamento e conhecimento profundo dos agentes e dinâmicas do território, no sentido de se formatarem dossiers de investimento com visibilidade e impacto externo.

Em suma, foquemos agora todos os nossos esforços para fazer sobreviver as nossas empresas e famílias, no quadro desta desgraçada pandemia, cujas consequências danosas se manterão nos próximos anos.

A pensar no amanhã, temos inevitavelmente de mudar de pensamento e de rumo. A nossa política pública, gizada sob a forma de um pacto de regime estrutural, imune aos partidos que nos governam, tem de abandonar o modelo errado assente no consumo e tem de aproveitar os financiamentos externos previstos para a próxima década para fomentar investimentos, orientados para setores onde possamos servir a economia mundo, e que vão permitir transformar a nossa economia e sociedade.

Esta aposta estratégica, com uma dimensão maior das nossas empresas e com menos e melhor Estado, é necessária e suficiente para crescermos de forma sustentada e para sermos competitivos no mundo, transportando a nossa economia e sociedade para uma mentalidade e clima de inovação permanentes, assente sempre nas parcerias estratégicas entre Universidades, empresas e setor público.

Temos capital humano para fazer isto acontecer!
É fundamental haver vontade e liderança nesse sentido.

Professor Doutor Paulo Caldas, coordenador científico da Licenciatura em Economia do ISG

Ensino Superior: Pedagogia vs. Investigação e a A3ES pós 2020

Ensino Superior: Pedagogia vs. Investigação e a A3ES pós 2020

Criada em 2007, a A3ES – Agência de Acreditação do Ensino Superior, fundação de direito privado de utilidade pública, responsável pela monotorização da qualidade e acreditação dos cursos e das instituições de ensino superior em Portugal, muda esta semana de Conselho de Administração, passando a ser presidido pelo Prof. Doutor João Guerreiro, que substitui o Prof. Doutor Alberto Amaral.

Durante o período de 2007 a 2020, a A3ES não acreditou cerca de 400 cursos de ensino superior conferentes de grau académico de licenciatura (1.º ciclo), mestrado (2.º ciclo) e doutoramento (3.º ciclo), encerrou oito instituições de ensino superior e provocou a descontinuação de cerca de 2500 cursos por iniciativa própria das universidades e politécnicos públicos e privados. Neste sentido, houve uma redução superior a 45% da oferta anteriormente existente (que era superior a 5200 cursos em 2010) e em simultâneo foram criados/acreditados cerca de 1000 novos cursos neste período (muitos adaptados ou reformulados de ciclos de estudos anteriores).

Foi inegável a importância da existência de uma espécie de “entidade reguladora” do ensino superior neste período que caracterizou a primeira década de Bolonha. Mas, para este novo ciclo de funcionamento da A3ES, pedem-se critérios mais objetivos, métricas comparáveis e imparcialidade nas decisões dos peritos, que muitas vezes representam interesses “concorrenciais” de outras instituições. Para fundamentar a acreditação de um ciclo de estudos, os peritos (comissões de avaliação externa) avaliam vários aspetos e métricas objetivas que vão desde o plano de estudos à funcionalidade e adequação de instalações e equipamentos, bibliotecas, empregabilidade, internacionalização ou a existência de um corpo docente próprio e qualificado. Existem outros critérios, com alguma subjetividade implícita, como a “quantidade e qualidade” da produção e investigação científica dos docentes, com maior exigência neste campo, ao nível universitário do que politécnico. É certo que a ciência deve ter uma relação de proximidade com a Universidade, mas se aferirmos a quantidade de estudantes que após a licenciatura seguem carreiras de investigação, é muitíssimo diminuta. Apesar das grandes tendências internacionais ditarem a importância da publicação de papers em revistas indexadas, a verdade é que o interesse é mais para a progressão da carreira dos docentes do que para a mais valia pedagógica para os alunos.

Assim, a importância da qualidade pedagógica e a transmissão de conhecimentos é infelizmente minorada face à “obsessão subjetiva” da investigação e publicações em revistas científicas, que se tornou uma moda anglo-saxónica dos “rankings” das universidades, mas que está muito longe de espelhar a qualidade do ensino. Muitas vezes os piores professores são os melhores investigadores e vice-versa. É muito importante distinguir entre a carreira docente e a carreira de investigador, porque até a própria natureza da ciência o obriga – veja-se a comparação entre as ciências da medicina, da química, da biologia e as chamadas ciências sociais, obviamente não testáveis em laboratórios.

A eficiente transmissão do conhecimento, valorizando sempre a capacidade de comunicação e sobretudo o gosto pela socialização e debate crítico, são próprias da verdadeira academia! Um professor, na sua plenitude, leva sempre um pouco de si para os seus alunos, como já existem poucos e tanta falta fazem à qualidade do ensino superior, tão obcecada atualmente com a investigação pura, egoísta e competitiva que tristemente despreza o verdadeiro sentido da Universidade e da Academia. A Universidade não pode ser reduzida a um centro de investigação. É uma visão pobre, ignorante, redutora e simplista da Universidade pós-moderna, em que os bons professores não se revêm.  É muito importante que a Universidade, entendida em lato sensu, não se feche em si mesma e abra as suas portas à sociedade, através de múltiplas formas pois o pensamento e o conhecimento devem ser difundidos e sujeitos à critica permanente, longe, muitíssimo longe da investigação em regime de clausura e cativeiro, que muitos advogam, talvez porque não sabem lecionar…

A generalidade das publicações ditas científicas que ficam a ganhar pó nas prateleiras (ou esquecidas na imensidão da web) e são assinadas por um conjunto de autores em que apenas alguns investigam e escrevem. Começa a ter contornos de “lobby” e de negócio, a “indústria das publicações” e a servir de argumento conveniente para fundamentar decisões, o que não é de todo desejável. Também num quadro global, europeu, internacional (tão defendido pela A3ES), seria importante que a legislação permitisse a acreditação por agências internacionais com idênticas funções da A3ES, o que estranhamente não acontece.

Ninguém questiona que a educação é um ativo de capital humano das nações, fundamental para o desenvolvimento económico e social. Assim sendo, trata-se de um bem público, independentemente da natureza privada ou pública do prestador, que não pode obedecer a interesses e lobbys menos claros. A expectativa da orientação estratégica da nova A3ES é grande e acredita-se que tenha como desígnio que a educação pode e deve ser um exemplo de democratização e liberdade de ensinar e aprender, como definido constitucionalmente.

Professor Doutor Miguel Varela, Diretor do Instituto Superior de Gestão para o Jornal de Negócios