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Vencer o medo

Vencer o medo

Li o que Bruno Bobone disse há dias: o português tem medo de tudo. Li a entrevista[1] na sua totalidade e louvo a audácia de ele dizer, com o desassombro de quem nasceu em África, sem remoques, que “em África, não se pode ter medo. Quem tiver medo morre”.

Já há alguns bons anos que tenho essa perceção e que trabalho para superar o medo. Generalizando, nós, portugueses, somos, de facto, uns medrosos. E isso revela-se no nosso dia-a-dia. E até nas estatísticas – veja-se o estudo 2019 Global Emotions Report[2], da Gallup, que analisa 143 países e que consegue colocar Portugal no 5.º lugar dos mais “preocupados” (ou seja, que responderam que no dia anterior experimentaram sensações de elevada preocupação) do Mundo, a seguir a Moçambique, Chade, Benim e Irão e acima do Camboja, Níger, Togo e Brasil.

E esta preocupação e medo transmite-se de pais e de professores para filhos e alunos. E ainda bem que vieram, em quantidade e qualidade, muitos retornados aquando do regresso das antigas colónias. O que seria deste cantinho sem essa dinâmica (veja-se a quantidade de líderes empresariais e políticos nascidos em África!).

Tive a sorte de a referida entrevista ter sido publicada num dia em que eu dava aulas de Gestão Financeira a alunos do ISG, e em que um dos temas era análise de investimentos. A certa altura, no debate, referi-lhes que tão fundamental como um empreendedor ser um criador (na instalação de um negócio ou na dinamização de projetos dentro de organizações, lucrativas ou de âmbito solidário ou associativo) era perceber qual o momento de sair, se a coisa não estivesse a correr bem. E alguns alunos referiram que sentem que, quando a alguém um negócio não corre bem, é altamente estigmatizado, contrariamente ao que ocorre em outros países, em que se entende que o efeito aprendizagem e correção de eventuais falhas serve para construir uma história de vida que, obviamente, terá vitórias e insucessos (e “coisas” neutras….).

Agora que escrevo, lembro-me dos últimos tempos que tenho vivido, em que muitos me aconselham a ficar calado. Que os ataques que por aí grassam não me são dirigidos, mas sim a outros. Que se eu falar muito me irão perseguir ainda mais. E dizem-me: “estás a ver? Falas e levaste com mais nove meses de suspensão de sócio do Sporting”. Já vou ter de cumprir quase dois anos entre duas suspensões de dez e nove meses, adicionadas a períodos temporários que não relevam para efeitos de contagem. E sabe-se lá que mais. Pois, mas sinto que o melhor que fiz, e que iniciei num texto que o Link to Leaders me permitiu publicar, foi esclarecer as pessoas que são alvo de permanente desinformação e intoxicação mediática sobre o que foi o meu trabalho e dos meus colegas. Julgo que cumpri esse desiderato e continuarei, sempre que necessário, a fazê-lo.

Pois. Também me lembro quando em 2011 e 2013 também me disseram para não me meter em eleições no Sporting. Que eu e os outros éramos loucos. Pois éramos. E fizemo-lo por paixão, com dedicação e com algum desapego a vidas, porventura, confortáveis. Como outros (poucos) o fizeram. Não há nada na minha vida profissional e pessoal que me faça envergonhar. E adorei os cinco anos de pertença aos órgãos sociais de um Clube que, reconheço, jamais será unido. Como não o são grande parte das organizações neste nosso país de medrosos, bufos e invejosos. E digo isto com conhecimento da nossa História. Ora bolas! Sempre foram 285 anos de Inquisição e 48 anos Ditadura. Como também explico aos meus alunos de História e Economia Social, citando David Landes, no seu livro “A riqueza e a pobreza das nações”[3] e outros autores, todos nós temos um ADN cultural que nos propele ou limita.

Cabe a todos, professores, alunos, políticos e restantes cidadãos, identificar aquilo que nos torna diferentes e converter as alegadas falhas de carácter em ferramentas de sucesso: para que o medo se torne prudência e alerta, conectados à alegria em criar e em converter, para melhor; para que a delação se transforme em capacidade de análise crítica e liberdade de opinião e de denúncia (real) de iniquidades; e para que a inveja se reduza a uma vontade de superar os outros (lealmente) e, principalmente, a nós mesmos.

Esta é, quanto a mim, a chave para um país empreendedor. Como será para um Clube como o Sporting que poderá e deverá procurar no seu seio gente que, face a esta falta de união, mantenha uma dinâmica que vem permitindo uma notoriedade de marca e a construção de um conjunto de outros intangíveis, apesar da falta do que muitos sentem, de títulos e maiores sucessos. E que o façam sem medos. Que o Adamastor já lá ficou atrás há muitos anos.

Artigo em Link to Leaders

[1] https://bit.ly/2WF6Op7

[2] https://bit.ly/2W5R7a5

[3] Landes, David S. (2001); “A Riqueza e a Pobreza das Nações – Por que são Algumas tão Ricas e Outras tão Pobres”; Gradiva.

População e futuro

População e futuro

A população portuguesa com mais de 65 anos já ultrapassa os dois milhões de indivíduos (a crescer) e com tendência para crescer enquanto que a população até 15 anos é cerca de um milhão e meio (a diminuir).

Nos últimos dias fomos confrontados com duas notícias sobre a população portuguesa, aparentemente contraditórias, mas que na verdade não o são. São notícias preocupantes que nos farão repensar Portugal para as próximas décadas.

A primeira, relativamente ao aumento do número de nascimentos, que registou, no primeiro trimestre de 2019, o valor mais elevado dos últimos sete anos. Entre janeiro e março nasceram, em Portugal, 21.348 bebés, 30% dos quais na região de Lisboa. Segue-se o Porto, com 18% dos nascimentos. O Interior do país continua a sua trajetória de desertificação e envelhecimento, a analisar pelos registos cada vez menores de nascimentos como na Guarda ou em Castelo Branco. Entre janeiro e março nasceram, em média, 237 bebés, ou seja, mais 11 nascimentos por dia.

Durante 2017 terão nascido, em Portugal, 87.020 bebés, numa tendência de quebra da taxa bruta de natalidade verificada desde 2002, quando ainda registava cerca de 11‰, para, desde 2007, passar apenas a um dígito (9,7‰), situando-se atualmente em 8,4‰ (2018).

A outra notícia informava que em 2018 registaram-se 113.000 óbitos, o número mais elevado desde há 70 anos, e mais 3% do que em 2017. Este fenómeno corresponde à cada vez maior esperança média de vida e a uma estrutura populacional cada vez mais envelhecida, sem “substituição de gerações”, prosseguindo um saldo natural negativo, com efetiva redução da população, verificada nos últimos anos.

A população portuguesa com mais de 65 anos já ultrapassa os dois milhões de indivíduos (a crescer) e com tendência para crescer enquanto que a população até 15 anos é cerca de um milhão e meio (a diminuir). A tendência será ainda mais acentuada quando forem observáveis os dados dos próximos Censos, em 2021.

O grande aumento do índice de longevidade e do índice de envelhecimento terá grande influência nas políticas públicas, em especial no que se refere à Saúde e à Segurança Social, assim como as reduzidas taxas de natalidade farão repensar a atual estrutura pública de educação a nível de todos os ciclos. Os decisores políticos dificilmente poderão adiar mais a reforma séria e efetiva destes três pilares.

Artigo em Jornal de Negócios 2 Maio 2019

Director do ISG – Business& Economics School

 

Oferta e procura do ensino superior 2017/2018

Oferta e procura do ensino superior 2017/2018

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Oferta e procura do ensino superior 2017/2018

Para o ano letivo de 2017/2018, pela primeira vez desde 2009, o número de candidatos ao ensino superior é superior ao número de vagas do ensino superior público.

Há oito anos registaram-se 52.949 candidaturas para as 51.352 vagas oferecidas pelas universidades e politécnicos.

Na primeira fase de candidaturas que terminou a 8 de agosto, foram registadas pela Direção-geral do Ensino Superior (DGES) 52.579 candidaturas, ou seja, mais 5,9% do que as verificadas em 2016, em que se registaram 49.655 candidatos.

Para 2017/2018, o ensino superior público oferece 50.838 vagas a nível de cursos de 1.º ciclo (83%) e mestrado integrado (17%), nos sistemas universitário e politécnico, cujos resultados serão divulgados a 11 de setembro, sendo as vagas sobrantes para candidatos às 2.ª e 3.ª fases.

A taxa de natalidade e a crise financeira dos últimos anos podem justificar a quebra de candidatos, que agora parece ter recuperado. No entanto, existe uma clara adaptação da oferta e da procura pois o número de candidatos é muito próximo do número global de vagas oferecidas por mais de 1.060 cursos. A grande questão é que, nos cursos de maior procura, as vagas são muito poucas em detrimento de oferta de cursos que praticamente não têm candidatos. É este o grande desfasamento. Um outro fator importante foi a melhoria das médias registadas na 1.ª fase dos exames nacionais, mesmo a Matemática, que continua a ser a prova de acesso mais relevante para a generalidade dos cursos em Portugal.

Desde a reforma de Bolonha (2006), o ensino superior tem sido “praticamente uma continuidade” do ensino secundário, em que atualmente a taxa da população portuguesa com ensino superior é mais de 17%, as taxas de natalidade têm sofrido reduções significativas (INE). Os candidatos de 2017 nasceram, na sua generalidade, até ao ano 2000, quando se verificavam taxas de natalidade de 11,4 bebés por cada mil habitantes. Essa taxa é inferior a dois dígitos desde 2007, antevendo uma redução gradual de candidatos nos próximos anos e dos 356.399 estudantes que frequentam atualmente o ensino superior.

Professor Doutor Miguel Varela, Director do ISG – Business& Economics School

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

Publicado a 09 de agosto de 2017, às 20:20 em jornal de negócios

 

 

Empresas Comerciais e Empreendedorismo

Empresas Comerciais e Empreendedorismo

Empresas Comerciais e Empreendedorismo

Realizou-se no passado dia 28 de Junho, no ISG – Instalações do Instituto Superior de Gestão um curso intensivo subordinado ao tema “Empresários e Sociedades Comerciais”. Neste âmbito e de modo a permitir ao leitor dispor de uma breve noção desta realidade empresarial, esta nossa crónica pretende sinteticamente indicar os vários tipos de empresas comerciais que poderão ser constituídas por um empreendedor e versar sob a principal característica que nos faz optar por uma destas tipologias, caso decidamos avançar para o desenvolvimento de uma actividade comercial, em consequência de uma possível oportunidade de negócio.

Assim, caso queiramos avançar para a criação de uma entidade de cariz mercantil deveremos logo primeiramente meditar relativamente ao património que queiramos que responda, se apenas o pertencente à própria empresa fruto das entradas que efectuámos ou se inclusivamente o património próprio de cada titular bem como eventualmente o do seu cônjuge, em caso da existência por parte deste de proveito comum. Se quisermos desenvolver isoladamente um pequeno comércio de uma forma menos complexa, poderemos optar por uma empresa em nome individual, não existindo sequer um capital mínimo de entrada e bastando o registo junto da Conservatória Comercial, a inscrição da firma junto do Registo Nacional de Pessoas Colectivas e o início de actividade numa Repartição de Finanças. Contudo, levanta-se precisamente a desvantagem da responsabilidade através do princípio da Unidade ou Indivisibilidade do património, não se verificando a separação entre os patrimónios pessoal e empresarial, ou seja, o empreendedor que se decidir por esta hipótese, caso o negócio não tenha sucesso, responderá pelas dívidas perante o credor com a totalidade daquilo que possui, correndo o risco de perder tudo o que adquiriu, o que se propaga igualmente ao seu esposado se o regime de bens escolhido não for o da Separação de Bens.

De resto, obrigatoriamente e até ao ano de 1986, a outra possibilidade resumia-se a desenvolver a actividade apenas através de uma sociedade visto nessa altura ser obrigatória a constituição com dois titulares, funcionando como um obstáculo já que o empreendedor teria sempre que encontrar um outro sócio, que, ou poderia não ser de confiança ou quereria óbvia e legitimamente participar nas decisões, o que poderia impedir a visão empreendedora em causa. Deste modo, surgiu posteriormente, com a finalidade de salvaguardar a vontade do empreendedor de dedicar-se sozinho às suas convicções comerciais, mas agora com protecção patrimonial, o denominado EIRL (Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada), cujo empresário continuaria a ser a pessoa singular mas nesta situação, com a obrigatoriedade de realização de uma entrada mínima de 5000 euros que detém ainda certos requisitos, como uma necessidade de dois terços deste montante ser em numerário, constituindo assim o designado património autónomo, alvo agora da responsabilidade que surgir.

O referido estabelecimento será pois o património empresarial, responsável pelas dívidas contraídas na gestão dos actos de comércio principais de âmbito profissional ficando desta forma garantidos os bens próprios do empreendedor e do seu correspondente cônjuge, a não ser que este utilize indevidamente o espólio da instituição para objectivos particulares, o que subjaz uma confusão patrimonial e uma consequente violação do princípio da separação patrimonial, não existindo motivos para a sua divisão, em prol da defesa dos credores.

Presentemente, já é possível transmitir a comercialidade para uma pessoa colectiva, nomeadamente para uma sociedade unipessoal por quotas, que, ao contrário das outras duas empresas, assumirá o papel de comerciante, pertencendo directamente a responsabilidade à mesma, enquadrando-se nesta modalidade a melhor solução para um empreendedor avançar com maior segurança o seu raciocínio mercantil e cuja actual constituição, através por exemplo da Empresa na Hora, já é relativamente simples. Diga-se no entanto e remetendo para as normas legais da sociedade por quotas, que o titular da mesma, caso entenda, poderá sempre convencionar que será também, solidária ou subsidiariamente com a entidade, responsável pelas obrigações sociais, até um determinado montante, até porque o capital mínimo é de 1 euro, não garantindo a sociedade portanto perante o credor, o pagamento da possível dívida, o que dificultará o crédito pretendido para o necessário desenvolvimento da actividade comercial.

Na prática, a constituição de uma sociedade unipessoal por quotas apresenta-se como a melhor tipologia, visto legalmente, de imediato, ser a mais segura mas permitindo, caso o potencial sócio entenda, adaptar as características, incluindo a da responsabilidade perante os credores, às necessidades do seu negócio e mesmo aqui, sempre até um determinado montante, devendo por regra e salvo convenção em contrário, existir direito de regresso pelas dívidas que o titular responder com o seu acervo particular.

Miguel Furtado, Docente do ISG

Oferta e procura do ensino superior 2017/2018

Os eucaliptos, a dívida e visão estratégica

Os eucaliptos, a dívida e visão estratégica

Uma e outra realidade, distintas na sua génese, têm em comum a maior das barbaridades praticadas pelos nossos governantes dos últimos 40 anos: a total ausência de políticas estruturais e falta de visão estratégica de longo prazo.

Se no que se refere a uma das nossas maiores riquezas, a floresta, a sua reforma continua a ser uma miragem, agora o eucalipto tornou-se o “bode expiatório” da incompetência e da falta de vontade e visão política. Além de o eucalipto ter um papel importante na economia nacional, com as temperaturas verificadas, também os pinheiros ou outras árvores arderiam nos incêndios. Como a maior mancha florestal nacional é eucaliptal, toca a culpar as “maiorias”.

Agora que os índices de confiança aumentaram, disparou o consumo e o investimento, baixou a poupança e aumentou a dívida pública e privada. Mais uma vez continua-se a governar para a conjuntura sem preocupações estruturais. Para quando um programa de governo com uma visão de longo prazo e propostas concretas de criação de valor? Até lá vamo-nos enganando com os indicadores. Portugal está doente, mas vai enganando a febre com aspirinas.

Os dados do IGCP sobre a evolução da dívida pública mostram os seguintes indicadores em mil milhões de euros (ver tabela).

Em maio de 2017, de acordo com o boletim de julho, o valor da dívida já é de 228.060 mil milhões de euros. Este valor vai crescendo exponencialmente e no período de 10 anos, entre 2010 e 2020 poderá quase praticamente duplicar!

Apesar de nos últimos 12 meses, desde junho de 2016, a receita fiscal ter vindo a aumentar em cerca de 0,7% (276 milhões de euros) face ao período homólogo, a verdade é que a despesa aumentou 2,9% (1.426 milhões de euros). A despesa foi de 50.206 milhões, das quais despesa corrente primária: 42.911 milhões (+1,513€; +3,7%), despesa de capital: 1.681€ (+396M€; +30,8%) e despesas com juros: 7.295 milhões (-87M€; – 1,2%). O total da receita foi de 43.753 milhões que está longe dos 50.206 milhões de despesa. Certo é que os juros baixaram, mas as despesas ultrapassam anualmente os 7.295 milhões de euros, ou seja, 20,26 milhões de euros/dia só em juros…

Num período histórico de taxas de juro negativas com base nas Euribor, os bancos remuneram os depósitos a prazo a taxas anuais médias de 0,5%. Curiosamente o Estado, através dos certificados do Tesouro, apresenta taxas médias anuais de 2,25%, potencialmente acrescidas de bónus de acordo com o crescimento real do PIB. Talvez por isso, apesar da concorrência desleal à banca, só em maio foram subscritos 314 M€ de certificados do Tesouro. Cerca de 12% da dívida é detida por particulares via certificados de aforro e certificados do Tesouro.

Só com visão estratégica para Portugal e consequentes políticas de longo prazo se resolvem problemas estruturais. Sejam incêndios (reforma florestal), sejam dívidas (reforma do Estado). Talvez seja primeiro necessário reformar a classe política nacional.

Director do ISG – Business& Economics School

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

http://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/colunistas/miguel-varela/detalhe/os-eucaliptos-a-divida-e-visao-estrategica?ref=HP_Destaqueopiniao4