27 Outubro, 2020
As formas e mecanismos utilizados para lidar com o abuso do exercício do poder por parte dos líderes é um fenómeno importante no quadro da liderança mas que, curiosamente, tem sido pouco estudado. Falamos daquilo que os liderados podem fazer (e têm feito) para prevenir ou ultrapassar o abuso do poder pelos líderes.
Para manter e aumentar o poder os líderes são já conhecidos por redistribuir recursos de forma (mais) generosa (como acontece antes das eleições) ou por induzirem ameaças externas ao grupo para consolidar a sua coesão e a sua influência ou, ainda, simplesmente «comprando» apoio dos liderados através de práticas de corrupção, caciquismo e nepotismo.
Com o advento da linguagem e a sua diversificação surgiu ainda outra ferramenta poderosa para aumentar a capacidade de alcançar e manter o poder dos líderes a invenção das ideologias e tudo o que elas significam e permitem através do imprinting cultural e das práticas de doutrinação.
Sabemos que ao longo da história os líderes tanto criaram e usaram religiões para manter o poder como definiram regras de posição hereditária para beneficiar os seus parentes, numa indicação clara de nepotismo que de resto ainda hoje é praticado e consentido quando não mesmo desejado (nomeadamente através das monarquias, por exemplo).
Porém, a evolução humana também se fez acompanhar de, pelo menos, cinco dispositivos de defesa, nivelamento e anti exploração, que foram desenvolvidos pelos liderados para garantirem que fossem também beneficiados pela sua posição de seguidores, evitando assim serem apenas enganados e explorados.
O primeiro mecanismo consiste em limitar ou circunscrever o poder do líder seja no tempo (limitando os mandatos, por exemplo) seja a áreas onde estes provaram as suas capacidades diferenciadas em relação a outros membros do grupo;
O segundo foi a própria linguagem que permitiu aos liderados lançarem «rumores, falatório e mexericos», comentando e ridicularizando os líderes e desta forma mantendo-os sob o foco do escrutínio público.
O terceiro foi a rejeição ou o puro abandono dos líderes. Trata-se de uma arma poderosa para combater uma liderança ineficaz ou perversa porque, em termos evolutivos, o ostracismo teve sempre consequências graves na sobrevivência e reprodução. A ciência diz-nos que o cérebro regista a rejeição como equivalente à dor física.
O quarto mecanismo normalmente decorre do anterior; é a pura e simples recusa da liderança pela desobediência coletiva. É uma potente arma de retaliação face ao abuso do poder e normalmente leva a confrontos, mas a prazo leva inevitavelmente produz a queda do líder.
Finalmente, o quinto mecanismo para ultrapassar o abuso do poder é … o homicídio. Não fique surpreendido. Já nas sociedades ancestrais o indivíduo dominante corria o risco de ser morto e ainda hoje isso acontece o que faz com que alguns exercícios de presidência de alguns Estados sejam cargos arriscados e por isso exigem medidas ostensivas de proteção e segurança que vão das mais aparatosas às mais ridículas.
No fundo, estes mecanismos de nivelamento do poder foram e continuam ainda a ser estratégias adaptativas essenciais para a proteção dos liderados. As evidências históricas sugerem que tiranos e ditadores tenderão sempre a surgir quando os liderados forem incapazes de se protegerem contra esse tipo de pessoas e em particular da «tríade negra» isto é, da combinação dos traços de narcisismo, maquiavelismo e psicopatia, num indivíduo que lidera.
No fundo a evolução continua a ensinar-nos como fazer, e se estes mecanismos continuam ativos é porque os seres humanos sempre abominaram lideranças abusivas. Pode levar mais ou menos tempo, mas os mecanismos continuam a funcionar.
Professor Doutor Paulo Finuras, Docente no ISG, para o LINK TO LEADERS
22 Setembro, 2020
Há 8 meses debatíamos a importância da sustentabilidade ambiental e da perecibilidade dos recursos naturais, da urgência de assegurar a identidade dos territórios.
Há 8 meses realçávamos o crescimento económico fruto dos resultados da atividade turística, assinalando como fundamental o reforço da sustentabilidade turística.
Há 8 meses identificávamos a necessidade de assegurar que a matéria-prima que fornece o turismo (natureza, património histórico, cultural e humano) não fosse desvirtuada.
Hoje precisamos de continuar com a agenda de há 8 meses, mas, cumulativamente, de reconquistar a confiança perdida e de reerguer os setores que compõem o turismo. Para esse desiderato precisamos de incrementar novas metodologias de abordagem que concretizem uma nova gestão do turismo.
Uma gestão que congregue a riqueza dos ecossistemas e a identidade dos destinos turísticos, que concilie o ordenamento do território com a atividade turística, que incremente as parcerias entre a iniciativa privada e política pública, e, essencialmente, que desenvolva uma prestação de serviços assente na qualidade, segurança e sustentabilidade.
Para que possamos reescrever as novas linhas de atuação, integrar a oferta turística e reformular as práticas e as políticas organizacionais, necessitamos de recursos humanos habilitados e empenhados em torno destes desafios.
Acreditamos que a chave para esta readaptação reside na motivação, na competência e na resiliência dos profissionais do turismo. Nesse sentido, a aposta na formação académica e profissional assume-se como fundamental para a árdua tarefa que temos em mãos.
O conhecimento e o reforço de competências são determinantes para o novo ciclo que o turismo enfrenta. A base para o sucesso desta missão passa por um triângulo que una as associações do turismo, o Estado e o ensino/formação. As escolas profissionais, os institutos politécnicos e as universidades estão, mais do que nunca, vinculadas à missão de formar recursos humanos comprometidos com o novo cenário mundial.
A congregação de sinergias e a atuação concertada das associações representativas do turismo, do Estado e da educação são a chave para o sucesso desta nova gestão do turismo.
Estamos cá para cumprir a nossa parte.
Professor Doutor João Caldeira Heitor, Secretário Geral do ISG, Coordenador da Licenciatura em Gestão do Turismo, para a Publituris
21 Setembro, 2020
O envelhecimento populacional decorrente da extensão da longevidade e da melhoria das condições de saúde, higiene e alimentação, tem vindo a traduzir-se num aumento da idade da população ativa, o que afeta a mão-de-obra nas organizações e reforça a necessidade de repensar as políticas de gestão de recursos humanos.
As últimas décadas têm sido caracterizadas por uma intensificação da força de trabalho e uma precariedade ao nível dos vínculos contratuais que nem sempre são favoráveis para os trabalhadores menos jovens, que passaram a ser alvo de exclusão face a determinadas políticas de emprego. Além disso, verifica-se uma falta de investimento na formação e no desenvolvimento das competências, que muitas vezes é justificada pelo facto de a mesma não trazer ganhos significativos, em termos de carreira, que compensem os seus custos.
A ponderação da idade é uma componente extremamente importante para a gestão dos recursos humanos porque é cada vez mais comum ter que lidar com uma população ativa envelhecida. Não obstante, o objetivo de qualquer organização é reter os trabalhadores que impulsionam o desenvolvimento e competitividade da mesma, independentemente da sua idade.
Neste sentido, as organizações deverão procurar, a curto e médio-prazo, estratégias eficazes para manter os trabalhadores mais velhos envolvidos, de forma a garantir que não ocorram perdas irreparáveis ao nível do saber-fazer, da experiência e da cultura que dificilmente se conseguem colmatar.
Deste modo, é fundamental apostar em estratégias de recursos humanos que valorizem opções de trabalho flexíveis, tarefas/funções diversificadas e estimulantes, ações de formação que estimulem a aprendizagem contínua, reconhecimento e respeito, pois são as práticas identificadas pelos colaboradores mais velhos como sendo as que mais contribuem para a sua permanência na organização.
O modo como cada organização gere a idade dos seus colaboradores depende largamente do seu setor de atividade, da sua estrutura, das características da gestão, dos recursos humanos envolvidos e, naturalmente, das tarefas desenvolvidas. Porém, verifica-se que os colaboradores mais velhos valorizam trabalhos complexos, nos quais possam fazer uso da sua experiência e das suas competências, nomeadamente através da participação em processos de tutoria, e acompanhamento aos colaboradores mais jovens. Ao reverterem o seu know how para o interior da organização sentem-se mais satisfeitos e envolvidos com o seu trabalho.
Sendo a satisfação um preditor da intenção de permanecer na organização e o desempenho um objetivo central para a eficácia organizacional, um dos principais desafios da gestão de pessoas passa por conceber o trabalho e as práticas de recursos humanos que se adequem às diferentes idades.
Verifica-se, assim, que os colaboradores mais jovens enfatizam a aquisição de competências e conhecimentos que aumentem a sua empregabilidade e garantam o desenvolvimento da sua carreira. Por outro lado, os colaboradores mais velhos tendem a valorizar a autonomia, o significado da tarefa, a complexidade do trabalho, o tratamento de informação e a resolução de problemas que permitam a utilização da sua experiência e conhecimento acumulado.
A gestão de pessoas deve alicerçar-se na dinâmica do mundo real, pois tem um papel crítico e indissociável do sucesso das organizações, quer em termos do seu desempenho, quer em termos da sua competitividade e diferenciação e como tal deve estar aberta a adaptações constantes nas suas práticas diárias.
Professora Doutora Rosa Rodrigues, Docente no ISG, para o Link to Leaders
11 Setembro, 2020
A Comunicação Integrada de Marketing é uma linha de pensamento que tem sido actualizada com estudos que integram no conjunto das técnicas de marketing já há muito conhecidas as áreas associadas ao Marketing Digital.
Neste âmbito, os especialistas começaram por integrar a Publicidade e as Relações Públicas considerando-as complementares e mais tarde foram estudando e integrando outras áreas como as Promoções de Vendas e a Organização de Eventos, incluindo recentemente as Redes Sociais e outras vertentes associadas ao digital.
Ao pensarmos na implementação de todo o processo do Marketing percebemos que não há muitas diferenças entre o tradicional e o digital. Este processo implica várias fases desde o planeamento estratégico, a orçamentação, a produção e a implementação até chegar à divulgação da mensagem junto do consumidor, independentemente da técnica de Marketing utilizada. A fase seguinte seria a de analisar se a campanha colocada na rua estaria a funcionar e a ter sucesso. O Marketing Digital apresenta fases comuns: o planeamento estratégico, a orçamentação, a concretização e a divulgação da mensagem junto dos consumidores.
No entanto existem três grandes diferenças: a primeira e que pesa nas decisões no âmbito das organizações está relacionada com a diferença do orçamento, o que significa que, os custos de uma campanha digital podem ser muito inferiores aos de uma campanha tradicional.
A segunda está relacionada com o factor do retorno e da forma como é possível apurar o sucesso de cada campanha. No âmbito do Marketing Digital é possível ver as estatísticas rapidamente e de forma contínua. No Marketing tradicional o processo é mais complexo e obriga a auscultar a opinião do consumidor.
A terceira implica a existência da Internet que tem de estar disponível para o consumidor. Por fim o circuito está completo se os consumidores possuírem dispositivos para observar a comunicação das marcas (computadores, tablets, telemóveis, consolas).
A similaridade nos processos não implica formas de concretizar iguais. Considerando realidades tão diferentes é natural que o digital exija outro tipo de tecnologia e formas de ser criativo, de trabalhar, de pensar adaptadas ao mundo digital, mas tudo isto pode significar integração para permitir a existência de um marketing único.
Mas continuo a acreditar que uma comunicação global das marcas necessita de um equilíbrio entre as áreas da comunicação clássicas e as que estão associadas ao mundo digital. Acima de tudo não podemos nem devemos esquecer a componente social. Não é possível imaginar a comunicação das marcas sem uma boa campanha de publicidade em Outdoor, sem as clássicas acções de Relações Públicas ou sem a Organização de Eventos. Estas últimas preenchem as necessidades que todos temos de sociabilizar presencialmente e que as tornaram bem-sucedidas.
Esta necessidade ficou bem patente nos últimos tempos em que o país ficou em confinamento e todos sentimos a falta da comunicação e da sociabilização, deixando claro que assim que for possível teremos de encontrar uma forma de continuar a comunicar presencialmente.
Considerando uma perspectiva integradora, vejo um conceito único de Marketing que tem evoluído paralelamente à sociedade. O Marketing surgiu e encontrou o seu lugar no mundo empresarial como o melhor aliado da Gestão e desenvolveu-se para dar resposta não só às necessidades dos consumidores como também às necessidades de comunicação das marcas.
Professora Dra. Paula Lopes, Docente e Coordenadora Científica do Mestrado em Marketing do Instituto Superior de Gestão, para a Revista Marketeer
28 Agosto, 2020
Apesar do inegável aumento do número de alunos que termina o 12.º ano e opta pela prossecução de estudos, este crescimento poderá a médio prazo não compensar as quebras de natalidade verificadas entre 2001 e 2015.
Apresentaram-se ao concurso nacional de acesso ao ensino superior para 2020/2021 mais 22,2% de candidatos relativamente a 2019/2020.
Este ano as candidaturas decorreram mais tarde, no mês de agosto e também durante menos tempo face a 2019, em resultado da conjuntura provocada pela pandemia.
O número de candidatos foi de 62.675 face aos 51.291 de 2019, representando o número mais elevado desde o início dos cursos superiores formatados ao abrigo do Processo de Bolonha (2006/2007). Aliás, trata-se do número de candidatos mais elevado desde 1996, sendo inclusivamente inversamente proporcional às tendências da redução das taxas de natalidade depois do ano de 2001, que supostamente teriam efeitos 18 anos depois, na redução gradual do número de alunos candidatos ao ensino superior, em especial em meados desta década.
A razão de tão grande aumento de candidatos em 2020 não se deve apenas ao grande aumento verificado nas médias das classificações dos exames nacionais, mas deve-se sobretudo ao facto de que, pela primeira vez, cerca de 50% dos alunos que terminam o 12.º ano optarem por seguir para o ensino superior. Este valor era inferior a 30% no ano 2000, tendo vindo a aumentar desde então (cerca de 40% em 2015). Os objetivos para Portugal passam por chegar a 60% dos jovens com 20 anos a frequentar o ensino superior em 2030.
De facto, atualmente a taxa da população portuguesa com habilitações superiores subiu de 6,8% em 2001 para mais de 20% em 2020.
Os acessos ao ensino superior por via do concurso nacional de acesso representam cerca de 2/3 dos ingressos, como tal, a tutela estima que o número total de novos ingressos em todos os ciclos de estudos, públicos e privados, universitário e politécnico, atinja cerca de 90 mil novos estudantes matriculados no próximo ano letivo de 2020/21, mais 7,1% que em 2019/2020, fazendo aumentar o número total de alunos inscritos no ensino superior em Portugal que era de 385.247 em 2019.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior afirma em comunicado que, no sentido da consolidação da democratização do acesso ao ensino superior e consequente massificação derivado deste “aumento inédito do número de candidatos, promove o alargamento da base social de apoio do ensino superior e é um sinal muito significativo para a qualificação progressiva da população residente em Portugal”.
Apesar do inegável aumento do número de alunos que termina o 12.º ano e opta pela prossecução de estudos, este crescimento poderá a médio prazo não compensar as quebras de natalidade verificadas entre 2001 e 2015. Estejamos atentos à evolução dos candidatos nos próximos cinco anos, que será um indicador muito importante para o planeamento da rede de ensino superior num futuro próximo.
Professor Doutor Miguel Varela, Diretor do Instituto Superior de Gestão para o Jornal de Negócios
24 Agosto, 2020
No âmbito da nossa vida social praticamos constantemente vários atos que afetam a nossa esfera jurídica sendo necessariamente alguns deles de natureza comercial, em conformidade com os nossos interesses pessoais. No entanto, caso queiramos realizar estes últimos de um modo habitual, sistemático, frequente é forçosa a constituição de uma empresa comercial existindo normativamente várias alternativas segundo as nossas motivações, apesar de impreterivelmente aplicar-se por razões de segurança jurídica o princípio da tipicidade, que garante um mínimo de disposições legais imperiosas a quem com a instituição se relacionar. Existem deste modo várias opções segundo as nossas convições, desde a empresa em nome indívidual ao EIRL e até às sociedades comerciais, dispondo cada uma delas de caraterísticas próprias que as identificam, tanto de cariz imperativo sem possibilidades de modificação, como dispositivo o que faculta aos seus membros a oportunidade de as moldar segundo o pretendido por estes e, em respeito do princípio da autonomia da vontade que cada um de nós deve usufruir num Estado de Direito Democrático, cuja principal garantia é a nossa liberdade. Contudo, a nossa liberdade deverá terminar quando se inicia a do outro e por tal motivo as regras de conduta imperativa visam proteger aqueles que pretendam praticar alguma atividade com a entidade empresarial em causa e onde se incluem os seus próprios titulares, com um objetivo claro de propagação do comércio e da paz social, o que não sucederia sem estruturas jurídicas empresariais adequadas. Destes diversos pressupostos, o mais relevante é inevitavelmente aquele que se relaciona com a responsabilidade face a incumprimentos estabelecidos, bastanto observar que o primeiro preceito legal no Código das Sociedades Comerciais de cada uma das pessoas coletivas ai preceituadas, é precisamente o respeitante a esta particularidade, o que não sucede por um mero acaso visto ser extensível a todas. Tanto é assim no art. 175º para as Sociedades em Nome Coletivo, no art. 197º para as Sociedades por Quotas, no art. 271º para as Sociedades Anónimas e no art. 465º para as Sociedades em Comandita. Destaque-se ainda que, excepcionando o preceito 465º relativo à Sociedade em Comandita, o título das demais disposições é precisamente o de “caraterísticas” realçando a relevância da responsabilidade e apesar de cada uma destas empresas possuir inúmeros traços que as definem e não apenas este. Mas sem dúvida que é o mais pertinente pois é necessário saber, em caso de falha nas correspondentes obrigações, quem responde e como, onde se inclui a identificação concreta do património disponível. Quanto ao empresário em nome indívidual a empresa é na prática o próprio, que desenvolve a respetiva atividade comercial pertencendo a responsabilidade ao mesmo e existindo deste modo apenas um património que é a totalidade dos bens deste titular, nos termos do art. 601º do Código Civil através do Princípio da Responsabilidade Ilimitada ou da Unidade/indivisibilidade do Património. Por regra relaciona-se com pequenos negócios e baixo investimento, não sendo sequer exigível capital social mas diga-se que, a correr mal, os credores poderão ser ressarcidos com a integralidade do património do empresário, que perderá todas as suas posses o que sucederá igualmente ao seu cônjuge se houver proveito comum do casal, salvo se o regime de casamento for o da separação de bens de acordo com o art. 1691, nº 1 alínea d) do Código Civil e que será a normalidade, já que usualmente se aplica em território português o sistema da comunhão de adquiridos, envolvendo assim um elevado risco pessoal e inclusivamente familiar. Relativamente ao Estabelecimento Indívidual de Responsabilidade Limitada, que como nos esclarece Miguel Pupo Correia surgiu para poder circunscrever os danos que sucediam numa empresa em nome indívidual, já subsistem dois patrimónios, o pessoal pertencente ao titular do designado EIRL, que não responderá pelas dívidas da organização e o comercial, destinado ao desenvolvimento da sua atividade mercantil. Na época, quem pretendia dedicar-se à prática constante de atos de comércio objetivos, absolutos e substancialmente comerciais no âmbito do art. 230º do Código Comercial, só poderia optar pela empresa em nome indívidual conforme anteriormente mencionado, com todos os riscos a ela inerentes e onde se inclui a falência familiar ou pela constituição de uma sociedade com mais um sócio visto não estarem ainda estatuidas as unipessoais e ocorrer uma discussão acesa e polémica à volta deste tema, cuja doutrina prevalente era contrária ao aparecimento de uma sociedade só com um sócio. A responsabilidade pelas obrigações decorrentes das atividades compreendidas no objeto do EIRL afeta somente o seu legado, segundo o at. 11º do Decreto-Lei nº 248/86, de 25 de Agosto, ficando o titular salvaguardado salvo se realizar confusão dos dois patrimónios em desrespeito do princípio da separação patrimonial e consequente prejuízo dos credores. Será que se poderá no entanto falar da existência de responsabilidade externa e igualmente interna, em similitude às sociedades comerciais? Na nossa opinião, não nos parece que tal aconteça pois este instituto é apenas uma extensão da personalidade singular daquele que o concebeu bem como de parte do seu património, que fica diretamente obrigado enquanto administrador a desenvolver a atividade e a incluir o seu nome na firma e a não realização por exemplo das entradas, nos termos definidos no art. 3º do respetivo diploma produz responsabilidade nos termos gerais, de acordo com o disposto no art. 7º ou seja, pelas regras do Código Civil não se podendo falar efetivamente de uma responsabilidade interna comercial mas sim de um normal caráter cível relativo ao proprietário do estabelecimento. Por último aparecem-nos as organizações empresariais mercantis juridicamente mais significativas, as sociedades comerciais, que são diferentemente das duas instituições anteriores e de modo independente dos seus sócios consideradas normativamente pessoas coletivas, com direitos e deveres próprios e cuja responsabilidade comercial se fraciona em duas, uma de domínio externo fruto das incumbências sociais decorrentes da sua atividade e outra que se enquadra na esfera de obrigações dos seus titulares e que se considera uma salvaguarda da própria entidade perante aqueles que a constituem. Desta forma, os membros que se comprometem a contribuir com certas entradas de bens devem faze-lo de acordo com o preceituado e a não acontecer, a sociedade poderá atingir o respetivo património pessoal para que se cumpra o convencionado. É pois um dos elementos essenciais do contrato societário, como nos indicam os arts. 980º do Código Civil e 20º, alínea a) do Código das Sociedades Comerciais, a contribuição obrigatória pelos sócios de bens para que seja possível o exercício de determinada atividade económica comercial já que a não existir património, dificilmente a empresa conseguirá laborar, ficando a sua viabilidade em causa bem como as expetativas dos restantes proprietários e consequentemente as daqueles que com elas se relacionam, sendo portanto um dever dos titulares e um direito da entidade. Diga-se que as disposições da responsabilidade interna de todas as sociedades comerciais são imperativas, ao contrário do que sucede com a responsabilidade externa visto que, a não ser assim, ficaria ao critério dos próprios obrigados decidir os termos do seu cumprimento, com claros prejuízos para a sociedade e sócios minoritários o que esvaziaria o seu objetivo até se tornar “letra de lei morta”. Ao longo da nossa vida, quando nos propomos obter um propósito precisamos de executar algum investimento, seja pessoal ou outro. No caso de constituição de uma empresa não é diferente, sendo comum a todas as sociedades comerciais o ónus patrimonial e caso algum daqueles que se comprometeram não cumpra com o acordado no contrato social, a dedicação dos demais ficará em causa e até mesmo em bastantes situações irremediavelmente hipotecada pois a falha de apenas um poderá deitar tudo a perder. É por tal razão que, por regra, o único responsável pela não realização da correspondente entrada é o membro incumpridor, que verá a própria sociedade executar o seu património visto ser legalmente esta a beneficiária e consequentemente a lesada pela omissão do encargo. Sucede assim nas Sociedades em Nome Coletivo (art. 175º, nº 1 do CSC), Sociedades Anónimas (art. 271º do CSC) e Sociedades em Comandita para as duas tipologias de sócios, comandidatos e comanditários (art. 465º, nº 1 do CSC) percebendo-se o porquê, conforme supra esclarecido, da inelutável imperatividade destes preceitos, só existindo a excepção da responsabilidade indívidual respeitante à Sociedade por Quotas, cuja obrigatoriedade é extensível a todos os outros membros no âmbito das solidariedade e proporcionalidade das concernentes quotas (art. 207º do CSC) mas acompanhada da expulsão do sócio incumpridor que perde as suas participações sociais, salvo deliberação diferente dos restantes (art. 204º do CSC). Diga-se todavia que, nas Sociedades em Nome Coletivo, os sócios poderão igualmente num conjuntura específica serem responsabilizados solidariamente, nomeadamente quando dispensam o relatório do Revisor Oficial de Contas estatuído no art. 28º do CSC relativamente à avaliação dos bens em espécie, caso o valor definido por eles não corresponda à realidade e quanto à quantia em falta (art. 179º do CSC). Mas aquela que acaba por dispor de maior importância é a externa por pretender regular as relações entre a entidade e a sociedade cívil, os terceiros que, pelos mais diversos motivos acabam por correlacionar-se com esta, logo existindo um interesse público de proteção tanto dos cidadãos e instituições, como do adequado funcionamento do trânsito mercantil e do setor económico comércio, que a não acontecer provocaria instabilidade e consequente caos social, bastando observar os efeitos presentes da pandemia COVID19 onde se enquadram entre outros a dimensão das insolvências e do desemprego, para se ficar com uma ideia. Na prática e apesar das essencialidade e indissociabilidade das duas espécies de responsabilidade, a interna pertence à esfera privada cuja função é a proteção da empresa e dos outros titulares enquanto a externa usufrui de um universo mais amplo, de domínio público, com pretensões de salvaguarda de todas as outras pessoas singulares e coletivas. O princípio continua a ser o da imperatividade mas verificando-se agora uma ressalva no que concerne à sociedade por quotas, podendo os seus membros convencionarem o que lhes mais aprouver em conformidade com o art. 198º do CSC. Esta responsabilidade refere-se, conforme já aludido, às obrigações que a organização detêm com os seus credores o que a faz, segundo Manuel Nogueira Serens, ser responsável sempre com a totalidade do seu património ocorrendo desde modo, seja qual for o cenário apresentado, responsabilidade ilimitada, visto a mesma fruir de personalidade e capacidade próprias e os deveres lhe pertencerem. Pode suceder contudo em algumas das respetivas tipologias, responsabilidade dos próprios sócios, dependendo de outras caraterísticas a elas atribuidas mas nunca isentando a pessoa jurídica principal, a sociedade comercial, cujos encargos normativos lhe estão acoplados. Na Sociedade em Nome Coletivo o património da instituição comercial é sempre o primeiro a ser afetado mas aqui e caso este não seja suficiente para colmatar a integralidade das dívidas os titulares, incluindo os de indústria, perderão subsidiariamente à empresa e solidariamente entre si os seus bens, independentemente do posterior direito de regresso ou até da aquisição de partes sociais (possibilidade para os sócios de indústria). A responsabilidade ilimitada preceituada nesta modalidade (extensível aos sócios comanditados da Sociedade em Comandita) relaciona-se com a não obrigatoriedade de capital social mínimo, isentando os seus proprietários de apresentar entradas tendo sido portanto imprescindível encontrar uma maneira de permitir o seu funcionamento, pois a verificar-se responsabilidade limitada ninguém teria interesse em praticar atos de comércio com esta espécie de sociedade, ficando de imediato inquinada a sua sobrevivência material. Nas Sociedades por Quotas, Anónimas e em Comandita para os sócios comanditários a responsabilidade é limitada às suas entradas, encontrando-se deste modo o seu património salvaguardado quanto às obrigações sociais da entidade empresarial. Na sociedade anónima e dada normalmente a sua dimensão, com um elevado número de sócios que nem sequer se conhecem entre si, não faria sentido ser de outra maneira uma vez que a acontecer, ninguém pretenderia investir nesta categoria institucional. Na sociedade em comandita os sócios comanditários é que arriscam patrimonialmente ficando os comanditados adstritos à sua gestão, parecendo-nos assim equilibrado responsabilizar os primeiros pelas entradas que se comprometeram e que irão ser fulcrais para a organização conseguir executar a sua atividade e os segundos, nos mesmos termos da responsabilidade externa da sociedade em nome coletivo, por aquilo que lá suceder, visto que são estes que a deverão fazer ter sucesso com o investimento disponibilizado. Na sociedade por quotas e apesar da legal e inicial responsabilidade limitada dos seus titulares, estes poderão convencionar de forma diferente e de acordo com o já referido art. 198º do CSC, apesar de ser forçosa a indicação de um limite a responder o que juridicamente impede a responsabilidade ilimitada dos mesmos. Todavia o assentimento jurídico desta modificação deve-se prioritariamente ao valor obrigatório reduzido do capital mínimo de um euro por cada quota, observando-se razões semelhantes ao explicado para as sociedades em nome coletivo. No entanto e como a esmagadora maioria das empresas comerciais são Sociedades por Quotas, era fundamental conceder alguma margem de liberdade contratual aos pequenos e médios empresários para adaptação à sua realidade bem como manter um equilíbrio de defesa do património pessoal, ficando deste modo ao critério dos sócios estipular os que lhes parecer mais conveniente mas dentro de uma certa delimitação com critérios de tranquilidade social.
Dr. Miguel Furtado, Coordenador das formações jurídicas pós-graduadas do ISG